Em mensagens vazadas, coordenador da Hapvida em Feira cobra que médicos prescrevam Kit Covid; Medicamentos são comprovadamente ineficazes para tratar covid-19

Hospital-Francisca-de-Sande

“Tivemos uma queda expressiva da prescrição do kit covid no dia de ontem, saímos de 70% para 25%, o que houve?”.  O questionamento feito no grupo do WhatsApp “Somente clínicos HV” evidencia uma prática questionável, no tratamento de pacientes com sintomas de covid-19, adotada pela coordenação médica da operadora de saúde, Hapvida de Feira de Santana.  A mensagem enviada pelo médico Breno Leão, diretor técnico hospitalar, é apenas uma de muitas que circulam nos grupos de WhatsApp de médicos que prestam serviços à empresa e que o Blog do Velame teve acesso.

O chamado “kit Covid” é prescrito pelos médicos da Hapvida, mesmo com a ciência dizendo que eles não funcionam. Hidroxicloroquina, ivermectina e azitromicina fazem parte do chamado tratamento precoce, que segundo cientistas e instituições de pesquisa renomados, não funciona. Dois profissionais que trabalham na rede conversaram com a reportagem anonimamente. Eles afirmaram que a diretoria da operadora obriga os médicos a incentivar o uso do kit e liga para os pacientes para confirmar se lhes foi oferecido o “tratamento precoce”. A versão dos profissionais de saúde se confirma com uma das mensagens que o blog teve acesso. No grupo, “Troca Plantões Hapvida”, Breno Leão escreveu: “A rede está ligando para os pacientes para confirmar tanto a prescrição, liberação e se estão levando pra casa”. Os atendimentos são feitos  em Feira de Santana no Hospital Francisca de Sande, que recebe exclusivamente pacientes da operadora.

O médico Carlos Starling, condutor científico da Sociedade Brasileira de Infectologia, foi enfático sobre a prescrição do kit. “Isso não passa de charlatanismo”, disse em entrevista à rede Globo.

Em recente reportagem exibida pelo Fantástico, especialistas acenderam um sinal de alerta: os efeitos colaterais dessas drogas podem estar levando pacientes para a fila de transplantes. Em São Paulo, já pode ter provocado a morte de três pessoas. Luiz Carneiro, diretor do Serviço de Transplante e Cirurgia de Fígado do HC-SP, afirmou existir um aumento de pacientes com indicação de transplante que tomaram ivermectina. A ivermectina é um vermífugo usado para combater parasitas, como lombrigas e piolhos; a cloroquina é usada no tratamento de malária, lúpus e artrite reumatóide; e a azitromicina é um antibiótico. As vendas de hidroxicloroquina subiram 173% em fevereiro desse ano em relação ao ano passado e as de ivermectina, mais de 700%.

Em nota, a Associação Médica Brasileira (AMB) disse que o kit covid deve ser banido. “Não passa pela liberdade do médico prescrever aquilo que é ineficaz, que tem risco”, disse César Eduardo Fernandes, presidente da AMB.  Apesar das recomendações contrárias ao uso, a direção da Hapvida segue pressionando que o kit seja prescrito. “Os últimos 3 dias foram aquém do esperado na prescrição do kit covid. Por favor peço aos senhores a adesão ao protocolo e a devida prescrição do kit”, cobrou, mais uma vez, Breno Leão aos médicos em um grupo.

Quando a meta é batida, o diretor elogia os subordinados. “Vamos ficar atento à prescrição do kit hidroxicloroquina. No domingo os plantonistas estão de parabéns”, destacou. Respondendo uma postagem do Blog, usuários do Twitter confirmam que já foram orientados a usar o kit covid em atendimento na Hapvida de Feira de Santana. Ana Flavia relatou que fez consulta com uma ginecologista e ela a instruiu a fazer o tratamento precoce.  Pedro Machado contou que foi diagnosticado com covid-19 e que o médico que o atendeu na Hapvida prescreveu o kit. Edu Marques relatou o mesmo procedimento. “Fui atendido lá no começo do mês, o médico prescreveu e o hospital me deu o remédio”, disse.  Ao todo, foram mais de 15 relatos de pacientes da Hapvida de Feira com sintomas de covid-19 que tiveram como prescrição médica, o kit covid.

Um dos médicos ouvidos pelo blog explicou como funciona o sistema da empresa. “Todo mundo que você atende gera um CID. Qualquer CID que possa ser covid (tosse, gripe, dor de garganta) vai gerar um protocolo e o médico vai preenchendo passo a passo e no final tem a indicação de prescrição. Sempre aparece a mesma coisa, receitar kit covid”, relatou.  CID são códigos representados por números que fazem parte do conjunto de Códigos Internacionais de Doenças, reconhecido como CID 10, o qual é responsável por determinar e classificar doenças, assim como sintomas, queixas, causas externas, sinais, aspectos anormais e circunstâncias sociais para doenças ou ferimentos.

Casos assim não acontecem apenas em Feira de Santana. Em Fortaleza, o médico Felipe Nobre relatou para BCC ter sido dispensado após se recusar a prescrever hidroxicloroquina a pacientes com covid-19, na Hapvida da cidade (clique AQUI e leia). Os médicos ouvidos pela reportagem relataram que decidiram não denunciar a pressão da operadora por medo. Segundo os profissionais, trata-se de um grupo muito forte. Eles temem represálias profissionais caso se identifiquem e levem o caso aos conselhos responsáveis.  O Código de Ética Médica destaca que o profissional de saúde não pode sofrer pressão para adotar determinado remédio. Procurado, o diretor Breno Leão não respondeu a reportagem. A Hapvida também não respondeu aos contatos.

Informações: Blog do Velame

OUTRAS NOTÍCIAS