Alteração em divulgação de dados pode implicar crime de responsabilidade

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A decisão do governo de Jair Bolsonaro em modificar a forma de divulgação dos dados sobre o avanço da pandemia no Brasil movimentou o país no final de semana. Mas, mais do que isso, pode gerar impactos para além da insegurança com relação à Covid-19. Na noite de sexta-feira (5), o Ministério da Saúde tirou do ar a plataforma Coronavírus Brasil que reunia informações com acumulado de óbitos, casos e recuperados.

O professor Dirley Cunha, que leciona Direito Constitucional nas universidades Federal da Bahia (Ufba) e Católica de Salvador (Ucsal) e na Faculdade Baiana de Direito (FBD), destaca que o fato pode incorrer em crime de responsabilidade, mas ainda é cedo para determinar.

“Se chegar à conclusão que o Ministério da Saúde tirou propositadamente com o intuito de ocultar informações ou sonegar dados, viola e agride o direito fundamental do indivíduo. Se essa iniciativa foi provocada pelo presidente da República, se for essa a conclusão, aí tem crime de responsabilidade, porque houve atentado contra os direitos humanos. Por outro lado, se constatar justificativa operacional, porque muitos sites saem do ar provisoriamente para fazer mudanças, isso é normal”, explica.

O site que havia saído do ar voltou à operação no final da tarde de sábado (6), no entanto, há certo ceticismo com relação aos dados apresentados. No domingo (7), já houve confusão de dados. O primeiro balanço do Ministério da Saúde indicou 1.382 mortes nas 24 horas anteriores, totalizando 37.312 óbitos. O segundo balanço divulgado, no entanto, indicou 525 óbitos, levando ao total de 36.455 óbitos.

Também houve diferença no número de casos confirmados da doença. O primeiro balanço registrou 12.581 novos diagnósticos, chegando ao total de 685.427 o número de casos confirmados. O balanço divulgado posteriormente, por sua vez, indicou 18.912 novos casos da doença, levando a 691.758 da Covid-19, de acordo com informações do G1.

Na avaliação do professor Dirley Cunha, é preciso esperar para verificar se, estatisticamente, a nova metodologia de divulgação dos dados atende a exigência constitucional de transparência ou se restringe o acesso à informação. Pela Constituição, a administração pública deve operar sob o princípio da publicidade e, por isso mesmo, tem a obrigação publicizar todas as políticas públicas, principalmente aquelas de cunho sanitário.

Se chegar à conclusão de que houve interesse em dificultar o acesso à informação, o presidente pode ser enquadrado no artigo 85 da Constituição Federal, que estabelece o crime de responsabilidade. O artigo seguinte, o 86, orienta a abertura de processo de impeachment, que pode levar ou não ao afastamento do chefe do Executivo. Essa é uma decisão que depende exclusivamente da Câmara dos Deputados.

“Podemos chegar a essas duas conclusões, mas com comprovações necessárias, não partindo de argumentos genéricos – porque argumentos genéricos todos têm. Vão querer afirmar que ele fez isso pra maquiar, pra evitar imagem do Brasil nas relações internacionais. Mas a questão é se está comprovado ou se foi suspensão temporária pra mudança operacional de como lidar com esses números e novas informações. A simples mudança operacional não revela nada, porque todos que trabalham com portais precisam atualizar seus dados, até modificar a metodologia da informação. Comprovado que houve, sim, violação, a Constituição dá resposta”, explica Cunha.

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