Vacina brasileira patrocinada pelo governo federal está na 1ª fase há 6 meses

Using a syringe to attack the new covid-19 variant. A young doctor in a white protective glove holds a medical syringe and a vial.
Using a syringe to attack the new covid-19 variant. A young doctor in a white protective glove holds a medical syringe and a vial.

A vacina contra a Covid-19 desenvolvida por pesquisadores brasileiros enfrenta dificuldades para avançar. O imunizante, financiado pelo governo federal por meio da RedeVírus, do Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovações (MCTI), encontra-se na fase um de ensaios clínicos desde o início do ano.

Os testes começaram em 13 de janeiro no Hospital da Bahia, localizado em Salvador. Inicialmente, a etapa estava prevista para ter duração de três meses e aplicaria a vacina em 90 voluntários.

O estudo, no entanto, não avançou para a próxima fase por falta de voluntários. Até o momento, apenas 39 pessoas foram vacinadas com pelo menos uma dose.

Segundo o MCTI, o governo já investiu mais de R$ 15 milhões no desenvolvimento do imunizante.

Entenda a demora no processo de produção

Anamélia Lorenzetti Bocca, professora de Imunologia Celular na Universidade de Brasília (UnB), diz que é possível analisar o cenário de demora na produção do imunizante de duas formas. O primeiro, explica ela, é que o Brasil não tem mais um grupo de “não vacinados”.

“A gente tem que considerar que, quando os ensaios clínicos de fase um começam, a gente tem que ter um grupo que é chamado de placebo — que não vai receber a vacina — e a gente precisa ter um grupo imunizado”, esclarece a professora.

Ela acrescenta: “Neste momento, a gente não tem mais pessoas que são consideradas grupo placebo, porque a população que não se vacinou não quer participar de nenhum desenvolvimento de vacina, porque ela é contra a vacina. E as pessoas que são a favor da vacina já foram imunizadas”.

A docente de Imunologia Celular cita como exemplo a Butanvac, vacina fabricada totalmente no Brasil e que solicitou registrou junto à Anvisa como “vacina de imunização”, mas que precisou mudar o pedido no meio do processo de produção.

“Agora eles mudaram o pedido do registro junto à Anvisa para a Butanvac ser uma vacina de reforço, porque eles só conseguiram avaliar a efetividade dela como um reforço vacinal, e não mais para induzir uma resposta imune”, argumenta.

De acordo com Anamélia, a segunda análise para a demora na produção da vacina patrocinada pelo governo é que o país carece de uma “infraestrutura adequada”.

“Esse avanço de uma fase de produção para outra precisa de recursos; precisa de investimentos; precisa ter uma organização e ter recursos dados para o Butantan, por exemplo; ter plataformas mais modernas de desenvolvimento de vacinas. Isso é uma coisa que a gente não tem”, justifica.

 

Ela diz que não é estranho o fato da vacina financiado pelo Ministério da Ciência e Tecnologia não ter conseguido avançar como o esperado, apesar do montante já investido no imunizante.

“A gente não tem uma infraestrutura adequada, porque os governos passados deixaram de investir nisso. Agora, mesmo com essa urgência e todo o projeto do governo, na verdade o que precisava era ter feito um aporte de recursos financeiros muito maior do que eles fizeram”, avalia a professora da UnB.

Sobre o imunizante

O imunizante, chamado RNA MCTI CIMATEC HDT, está sendo desenvolvido pelo Senai Cimatec em parceria com a empresa norte-americana de biotecnologia HDT Bio Corp. A pesquisa é liderada pelo professor Roberto Badaró, da Universidade Federal da Bahia (UFBA) e é a primeira com uso da tecnologia replicon de RNA (RepRNA) no país.

Para participar, é preciso ter entre 18 e 55 anos, ser residente da Bahia — as despesas com deslocamento, alimentação e hospedagem serão cobertas — e, principalmente não ter sido vacinada ou ter tomado apenas duas doses da Coronavac. Segundo Bruna Machado, líder técnica do estudo, com o avanço da vacinação, a quantidade de pessoas que atendem a esses critérios foi reduzida, por isso a dificuldade para encontrar voluntários.

Nesta primeira fase, a pesquisa avalia a segurança, a capacidade de gerar resposta imune — a chamada imunogenicidade — e as possíveis reações adversas (reatogenicidade). Agora, a estimativa é de que a fase 1 seja concluída em dois meses.

“Caso não sejam incluídos os 90 voluntários, serão realizadas as análises com os dados obtidos em conjunto com as demais informações de estudos que estão ocorrendo em outros centros de pequisa de outros países. No entanto, a expectativa é que o estudo avance para a fase II antes mesmo de completarmos o total de voluntários previstos para a fase I (90 pessoas)”, explica Machado.

Segundo ela, isso é possível graças à análise interina, momento antes da conclusão do estudo em que os dados de segurança e imunogenicidade da vacina serão avaliados.

“Para a realização a análise interina dessa primeira fase, não é necessário que a vacina tenha sido administrada nos 90 voluntários previstos inicialmente, fazendo com que o desenvolvimento da vacina RNA MCTI CIMATEC HDT não seja impactado. Sendo assim, poderemos iniciar a fase II, o que nos dá tempo e expectativa para concluir paralelamente a fase I”, continua a especialista.

Mais fases

Além da primeira etapa, a pesquisa ainda passará por outras duas fases de ensaios clínicos — também para aferir a segurança e eficácia, mas com um número maior de participantes.

Com o atraso, aumentou também o prazo previsto para a finalização do estudo, que antes era até outubro deste ano. Os pesquisadores esperam concluir as três fases no primeiro semestre de 2023.

Ao Metrópoles, o MCTI informou que não há como precisar quando a vacina começa a ser disponibilizada para a população. “A disponibilização de imunizantes à população segue uma série de ritos e depende de evidências científicas robustas para ser liberado pelos órgãos regulatórios e, posteriormente, ser incorporado aos mecanismos de imunização nacionais”, disse.

Tecnologia para o futuro

Julival Ribeiro, membro da Sociedade Brasileira de Infectologia, afirma que uma pesquisa desse porte é fundamental para que, no futuro, o país seja capaz de replicar a tecnologia na produção de outros imunizantes.

O especialista diz que, apesar do atraso, o estudo precisa seguir todas as etapas necessárias para garantir a segurança e eficácia do imunizante.

“Uma vacina tem que seguir todas as fases, isso é estabelecido no mundo inteiro, dentro de uma pesquisa ética. A gente sabe que o importante não é o tempo. O importante é ter vacinas seguras e eficazes”, pontua Ribeiro.

Além disso, ele reforça que a vacina pode ser um importante elemento contra as variantes que possivelmente vão surgir. “O que os cientistas falam é que nós vamos sair da pandemia, mas [a Covid] vai se tornar uma doença endêmica. Então, traz ainda mais valor, sobretudo se ela [a vacina] puder se adaptar às novas variantes, tipo a gripe”, reforça.

Fonte: metropoles.com

 

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