Uso de acessórios eróticos deixa de ser tabu entre as mulheres e a saúde agradece

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O corpo todo se contrai e o fluxo de sangue no cérebro aumenta velozmente. Uma enxurrada de hormônios de prazer, afeto e bem-estar entram em ação em cadeia. Vem a dopamina, depois a ocitocina, a prolactina. O mecanismo todo, com duração de cerca de 15 segundos, se configura como o orgasmo, uma das sensações mais fortes e prazerosas do ser humano — e que faz bem à saúde.

Na busca por esses sentimentos, a pandemia evidenciou uma corrida maior das mulheres por acessórios eróticos: levantamento do portal Mercado Erótico mostra aumento de 50% na venda de vibradores no período de isolamento social. Mais de um milhão destes apetrechos foram comercializados durante essa fase no Brasil, para se ter uma ideia.

Masturbação era vista como doença

Não se trata apenas de um fenômeno de vendas provocado pelo distanciamento social. Há uma questão de aceitação maior da sexualidade feminina, da masturbação e do direito da mulher sobre seu corpo. Assim, famosas como a apresentadora Angélica, as atrizes Ana Paula Tabalipa, Bruna Marquezine e Fernanda Paes Leme, a influencer Gabriela Pugliesi ou a cantora Anitta falaram em público sobre seus vibradores.

Para a antropóloga e professora da UFRJ Mirian Goldenberg, o que ocorre hoje é uma libertação feminina que foi plantada lá na década de 1970, por Leila Diniz.

—Não é um modismo passageiro. É o espírito do nosso tempo. Que bom que essas personalidades podem falar sem vergonha, culpa e constrangimento. Estamos vivendo um momento, que a pandemia acelerou, em que as mulheres podem ser elas mesmas, do jeito que querem ser. Quem quer fazer sexo faz, quem quer ter pelo na axila tem, quem quer cabelo branco usa. O maior desejo feminino hoje é a liberdade de ser eu mesma — afirma.

Não que os brinquedos sexuais sejam uma novidade. Mas as mulheres tinham vergonha de entrar numa loja e comprar. Vieram filmes e séries, como “Sex and the city” e a trilogia “De pernas pro ar”, para tornar o prazer sozinha em um tabu menor e, por fim, o impulso do comércio online, que traz mais discrição à compra.

Mas não faz tanto tempo assim que as coisas são tratadas com naturalidade. De acordo com a professora da faculdade de Medicina da USP e coordenadora do Programa de Estudos em Sexualidade da USP, Carmita Abdo, até a década de 1970 a masturbação era uma atividade considerada patológica pela Organização Mundial da Saúde (OMS), listada na classificação das doenças na área da sexualidade.

— Quem se masturbasse tinha um transtorno sexual. A partir da décima edição, em 1975, a OMS retirou como atividade doentia, sendo considerada, portanto, um comportamento que fazia parte do desenvolvimento. De lá para cá as coisas mudaram tanto que, com a pandemia, a organização chegou a recomendar que a masturbação fosse uma atividade sexual que pudesse substituir outras prejudicadas pela pandemia, além do sexo virtual. Em 50 anos, ela deixou de ser patologia para ser uma atividade recomendada — conta Abdo.

Casadas e casais também aproveitam

Mas a verdade é que nem a masturbação nem o uso de brinquedos eróticos foram adotados, necessariamente, só por pessoas solteiras. Mulheres casadas e casais também têm usufruído muito dessas práticas.

A ginecologista Carolina Ambrogini, uma das fundadoras do Projeto Afrodite, centro de sexualidade feminina da Unifesp, afirma que a masturbação traz benefícios que, muitas vezes, se assemelham a uma boa prática de atividade física, com liberação de endorfina e substâncias relaxantes.

— A masturbação faz bem para o corpo e traz ainda um benefício importante para a sexualidade que é o autoconhecimento. Mais do que conhecer a genitália, possibilita entender o que move seu desejo, o que te atrai. Esse conhecimento, especialmente para a mulher, que não foi educada para consumir o mundo erótico, é muito importante — explica.

Os vibradores, segundo Ambrogini, podem ser facilitadores porque produzem sensações mais potentes, ajudam àquelas que não sabem friccionar no ritmo certo e, para as que não se sentem confortáveis em se tocar, faz a ponte do contato, servindo como porta de entrada.

Pode parecer surpreendente para algumas pessoas, mas a pesquisa Mosaico 2.0 do Programa de Estudos em Sexualidade, de 2016, mostra que 40% das mulheres não se masturbavam com frequência e, dessas, 19,5% nunca experimentaram a prática.

Para Ambrogini, os acessórios sexuais podem, ainda, ser instrumento de erotização para o casal.

—Tem casais que começam com um lubrificante diferente, com gosto, um anel peniano que vibra e aos poucos vai introduzindo o vibrador, mas hoje já estão mais abertos para isso. Quando a mulher tem parceiro, ela acha que não precisa sozinha. E não tem nada a ver por que você pode ter um desejo só seu, de intimidade só com o seu corpo.

Desafios com a pandemia

Se, por um lado, a mulher ganhou mais liberdade para se masturbar ou usar um vibrador, por outro, isso não pode ser uma imposição. Em suas pesquisas, Mirian Goldenberg ouviu muitos relatos de mulheres que não têm tido desejo sexual e, ou não estão praticando, ou ainda se sentem impelidas a ter relações sem vontade e fingindo orgasmo.

— Na pandemia, outras coisas passaram a ser mais fundamentais para o bem-estar e a vida entre os casais do que o sexo. Muita gente não está fazendo sexo porque está preocupada, ocupada, doente. Estava sem tesão, nesse momento particular, nessa circunstância. Cadê o tesão para transar com alguém ou sozinha, no meio de um drama? Para algumas foi complicado.

A pandemia ainda trouxe outros desafios relacionados à sexualidade. Homens e mulheres que aderiram muito ao sexo virtual e à masturbação começam a relatar dificuldades de interagir presencialmente outra vez, obtendo a mesma satisfação ou tendo o mesmo desempenho.

— Ao se masturbar, a relação da mão com o cérebro é tão precisa, numa sintonia muito maior do que conseguiria com alguém, especialmente no primeiro encontro. Não precisa se produzir, ir para a balada, tentar alguém, se arriscar a não dar em nada. Você tem certeza que de uma forma econômica, prática e privativa, faz o que quer e ninguém fica sabendo — diz Carmita Abdo.

Informações: O Globo

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