Prouni para alunos de escolas particulares: ampliação de desigualdades ou inclusão de mais jovens na universidade?

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Depois de o presidente Jair Bolsonaro ter liberado o acesso ao Programa Universidade para Todos (Prouni) para alunos que cursaram o ensino médio em colégios particulares (sem bolsa de estudos), especialistas e entidades passaram a debater se a medida amplia a desigualdade educacional no Brasil ou se proporciona inclusão de mais jovens ao ensino superior.

O Prouni concede descontos de 50% ou 100% nas mensalidades de faculdades privadas para quem prestou o Exame Nacional do Ensino Médio (Enem). Nas regras até então vigentes, além de critérios de renda, havia também a exigência de que o candidato tivesse estudado durante os três anos do ensino médio em escolas públicas ou que tenha sido bolsista integral em instituições de ensino particulares.

Diante da ampliação do público-alvo do programa, aprovada por medida provisória nesta terça-feira (7), associações de universidades privadas comemoram a decisão de Bolsonaro e afirmam que ela colaborará para aumentar o número de alunos nas universidades e consequentemente diminuir o número de vagas ociosas.

Especialistas em educação ouvidos pelo g1, porém, temem que haja maior exclusão dos mais pobres. De acordo com o Censo da Educação Básica 2020, apenas 12,26% dos matriculados no ensino médio brasileiro estão em escolas privadas.

Em resumo, os argumentos apresentados por esses dois lados são os seguintes:

PRÓS

  • Pelas regras atuais, há um índice alto de ociosidade no Prouni (em 2020, segundo o Semesp, a partir de dados do Sisprouni, 56,8% de benefícios parciais não foram preenchidos). Ampliando o público que pode participar do programa, menos bolsas ficariam “paradas” nas faculdades.

“O que acontece é: se você deixa só o aluno de escola pública participar do Prouni, está restringindo o universo potencial de ingressantes”, afirma Rodrigo Capelato, diretor-executivo do Semesp, entidade que representa as instituições mantenedoras do ensino superior.

“Ao ampliar para escola privada, ainda dentro das condições socioeconômicas exigidas pelo programa [apenas candidatos de baixa renda], o governo vai dar mais oportunidade para preencher essas vagas que ficam ociosas. Ninguém vai tirar vaga de aluno de escola pública”, diz.
  • Como o critério econômico do Prouni continua valendo (ou seja, só são aceitos alunos com renda familiar per capita de até 3 salários mínimos), não haveria risco de beneficiar os mais ricos e excluir os mais pobres.

“Essa mexida no programa é fundamental para que mais alunos carentes tenham acesso à educação superior e formem mão de obra qualificada. Não faz sentido o aluno que estudou só por um mês na rede privada, mas atende aos requisitos sociais de renda, ficar de fora do programa”, argumenta Sólon Caldas, diretor-executivo da Associação Brasileira de Mantenedoras de Ensino Superior (Abmes).

  • Escolas particulares também têm alunos de baixa renda sem bolsa de estudos. Depois do ensino médio, esses jovens ficam em um limbo: sem a excelência de colégios conceituados (para concorrer a uma universidade pública) e sem a possibilidade de participar do Prouni.

Segundo o Instituto Semesp, a partir de dados da Pnad/IBGE, cerca de 40% dos alunos de escolas particulares do ensino médio são das classes D e E (não há informação sobre quantos são bolsistas).

“Você tem pais que fazem esforço grande para que o filho tenha acesso a uma educação melhor. Mesmo com baixa renda, aperta o orçamento e consegue pagar escola privada. Mas aí essa pessoa fica fora do Prouni?”, questiona Bruno Eizerik, presidente da Federação Nacional das Escolas Particulares (Fenep).

“Com a mudança, corrige-se uma grande injustiça. Se o programa continua baseado em renda, o que importa onde o aluno estudou? Ninguém vai sair prejudicado disso.”

CONTRAS

  • A ociosidade alta do Prouni deveria ser corrigida por meio de uma política pública que ampliasse o acesso dos mais necessitados ao programa. Proporcionar a inclusão de quem estudou em escola particular sem bolsa pode agravar as já existentes desigualdades educacionais.

“Achei estranhíssimo, em um dos momentos de maior crise do setor educacional, fazer isso por MP, justamente um instrumento para lidar com emergências. Há grandes demandas neste momento. Aí, a gente amplia o acesso de jovens de classe média, que, claro sofreram com a crise, mas que já teriam condições maiores de acesso à universidade?”, questiona Claudia Costin, diretora do Centro de Excelência e Inovação em Políticas Educacionais da FGV.

“É algo muito negativo, que só aprofunda a desigualdade educacional.”

Israel Batista, presidente da Frente Parlamentar Mista da Educação, também se posiciona contra a mudança.

“Isso pode significar uma diminuição de vagas para pessoas que têm essa necessidade e que precisam de programa de acessibilidade ao ensino superior.”

  • A MP também traz uma maior “desburocratização” para o estudante comprovar renda – em vez de apresentar documentos, ele pode apenas usar o cadastro em bancos de dados do governo. Isso aumenta o risco de fraudes e pode fazer com que alunos de escolas particulares tenham acesso ao Prouni mesmo fora das condições econômicas exigidas.

“Olhem o que aconteceu no início do Auxílio Emergencial. Vamos acabar abrindo mais possibilidades de fraude. Em vez de fazer tanta força para admitir pessoas de escolas privadas, que tal prestar mais atenção aos mais vulneráveis e até usar o cadastro do Auxílio Brasil, por exemplo, no Prouni?”, diz Costin.

  • A mudança na regra pode atender a um lobby do setor privado de educação, diz Costin. Quanto mais alunos puderem disputar as bolsas do Prouni, maior será a chance de preencher 100% das vagas e de possibilitar o abatimento de impostos federais devidos pela instituição de ensino.

“Nós temos mais de 80% dos alunos em escola pública. Se quero ampliar o acesso às vagas ociosas, preciso pensar em ampliar os critérios dentro desse grupo de alunos da rede pública“, afirma a especialista da FGV.

“A sensação que me passou é que tem algo a ver com lobbies de universidades privadas. Mas a emergência do setor não deveria ser olhada como urgente.”

Caldas, da Abmes, diz que, de fato, se uma faculdade ocupar 90% das bolsas ofertadas no Prouni, terá 90% de desconto em tributos federais. “Se mais alunos puderem aderir ao programa, maior a possibilidade de preencherem essas vagas e conseguirem o incentivo fiscal”, afirma.

“Mas nosso foco não é financeiro, e sim social, para possibilitar ingresso de alunos carentes nas faculdades.”

  • Diante da evasão escolar agravada pela pandemia, essa mudança no Prouni não deveria ser uma prioridade do governo neste momento.
“Assim como outras ações tomadas pelo atual governo federal, este é mais um exemplo de improviso e uma inversão total de prioridades”, afirma Ricardo Henriques, superintendente-executivo do Instituto Unibanco.

“Na crise atual, precisamos é de uma agenda sólida, focada na proteção social das famílias e nas trajetórias dos estudantes. Isso significa formular uma estratégia conjunta entre as áreas da educação, da assistência social e do trabalho, para dar conta de lidar com os desafios que temos pela frente.”

O que mudou?

Antes da Medida Provisória desta terça-feira (7), podiam participar do Prouni:

  • alunos que estudaram em escolas da rede pública durante todo o ensino médio;
  • bolsistas integrais em colégios privados;
  • candidatos com alguma deficiência;
  • professores da rede pública de ensino, na educação básica (nesse caso, não há exigências de renda).

Com a mudança, passam a ser permitidos também:

  • alunos que estudaram em escolas particulares por todo o ensino médio ou em parte dele, sem bolsa.

Os critérios econômicos continuam vigentes, ou seja, apenas candidatos com renda familiar per capita de até 3 salários mínimos (R$ 3,3 mil) podem participar do programa.

São duas modalidades:

  • bolsa integral: renda familiar mensal per capita de até 1,5 salário mínimo (R$ 1.650);
  • bolsa parcial (50% da mensalidade): renda familiar mensal per capita de 1,5 a 3 salários mínimos (de R$ 1.650 a R$ 3.300).
 
 

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