Prefeituras negam aplicação de vacina vencida e falam em erro de registro no sistema

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Prefeituras de diversos municípios do país negam terem aplicado doses vencidas da vacina AstraZeneca contra a Covid-19. O uso de imunizantes fora da data de validade, noticiado pelo jornal Folha de S.Paulo nesta sexta-feira (2), compromete sua proteção contra o coronavírus. Os dados constam de registros oficiais do Ministério da Saúde.

As respostas das prefeituras, contudo, não comprovam a aplicação na data correta. Além disso, ao atribuírem o resultado do levantamento a erros nos dados do sistema federal, elas apontam para o que pode ser um outro problema: a falta de controle sobre a vacinação no país e talvez sobre o próprio DataSUS, fonte de acompanhamento da saúde pública no Brasil.

A campeã no uso de vacinas vencidas é Maringá, reduto eleitoral de Ricardo Barros (PP), líder do governo Bolsonaro na Câmara dos Deputados. A cidade paranaense vacinou 3.536 pessoas com o produto da AstraZeneca fora da validade.

O secretário de Saúde da cidade, Marcelo Puzzi, afirma que houve um erro no lançamento do Sistema Conect SUS, que estaria diferente do dia da aplicação das doses. “Isso porque, no começo da vacinação, a transferência de dados demorava a chegar no Ministério da Saúde, levando até dois meses. Portanto, os lotes elencados são do início da vacinação e foram aplicados antes da data do vencimento”, afirma em nota.

As prefeituras de Salvador, de Taboão da Serra (SP) e de Contagem (MG) dizem que houve falhas no lançamento de dados no sistema e que apenas o registro foi feito em data posterior à aplicação da vacina.

A Folha de S.Paulo ressalta, no entanto, que se baseou no campo “vacina data aplicação” dos microdados da Campanha Nacional de Vacinação contra Covid-19 do DataSUS para avaliar as doses ministradas com atraso (e não no campo “data importação mds”, que se refere ao dia em que os dados foram importados no sistema).

Há casos, por exemplo, de indivíduos vacinados em 4 de junho em que os dados entraram na base em 13 de junho.

A informação da data de aplicação da vacina é importante. Serve, por exemplo, para verificar se as metas de cada grupo populacional foram atingidas na campanha e se o intervalo entre as doses vacinais está sendo aplicado corretamente (por exemplo, de 28 dias no caso da Coronavac e três meses na Astrazeneca).

A Prefeitura de São Paulo afirma, em nota, que não aplicou doses vencidas e que a data de validade dos imunizantes passa por uma tripla checagem, ao receber, ao distribuir e ao aplicar, além de mostrar o frasco ao imunizado. “Neste momento, o município está fazendo um rastreamento nas mais de 7 milhões de doses aplicadas, com a revisão de todos os lotes e vacinas cadastradas, inclusive para a eventual detecção de eventuais falhas no momento do cadastro no sistema”, complementa.

De acordo com a Prefeitura do Rio de Janeiro, está sendo verificado se houve aplicação de doses após o vencimento e, caso isso tenha acontecido, a unidade entrará em contato com os usuários para realizar a revacinação.

Em nota, o Conselho Nacional de Secretários de Saúde (Conass) e o Conselho Nacional de Secretários Municipais de Saúde (Conasems) dizem que os casos de uso de imunizante fora do prazo de validade serão investigados e que “não está descartado erro do sistema de informação do Programa Nacional de Imunizações, que desde o início da campanha de vacinação apresenta instabilidade no registro de dados”.

As entidades afirmam que o número de casos identificados corresponde a 0,0026% de todas as doses aplicadas no país. “É necessária ponderação e investigação quanto à aplicação das doses e preenchimento das informações”, dizem em nota.

De acordo com as prefeituras de Marabá (PA) e Nova Odessa (SP), houve erros de digitação e as doses aplicadas eram de um lote dentro do prazo de validade. A Prefeitura de Fortaleza afirma em nota que, em relação aos 63 casos citados no texto, “pode ter ocorrido alguma inconsistência no sistema ou erro de digitação.” O mesmo afirmam as prefeituras de Petrópolis (RJ) e de Ribeirão Preto (SP).

As prefeituras de Rio Branco (AC), São Luís (MA), Santos (SP), Ribeirão Pires (SP), Santos (SP), Jundiaí (SP), São Caetano (SP), Rio Claro (SP), Guará (SP), Governador Valadares (MG), Teófilo Otoni (MG), Coronel Fabriciano (MG) e Balneário Camboriú (SC) dizem que as doses citadas no texto foram recebidas e aplicadas antes do vencimento. O hospital Sírio-Libanês, em São Paulo, afirma o mesmo.

De acordo com a Secretaria de Saúde do Ceará, não houve distribuição de imunizantes fora do prazo de validade. De acordo com eles, o Ministério da Saúde informou que houve um erro na embalagem das doses do lote CTMAV505, e que, em vez de vencer em maio de 2021, o correto é maio de 2022.

Ocorre que as datas de validade das vacinas são informações oficiais e públicas na nota fiscal de cada lote distribuído. A Astrazeneca, por exemplo, tem validade de seis meses após a data de fabricação (não pode, portanto, estar válida até maio de 2022).

A Secretaria de Estado da Saúde do Estado de São Paulo disse, em nota, que identificou 4.772 registros em 315 municípios que sugerem aplicações dos imunizantes da Astrazeneca após o vencimento —número maior do que o encontrado pela Folha de S.Paulo até 19 de junho (3.648 registros).

“A pasta está informando as prefeituras, que são as responsáveis pela aplicação das vacinas, para realizar busca ativa desta população. Cada prefeitura pode consultar os dados da sua cidade no VaciVida [plataforma paulista] e identificar o munícipe que eventualmente tenha recebido uma vacina vencida. Caso seja uma situação de erro de digitação do lote ou de data de aplicação, os municípios também podem realizar a correção na plataforma.”

Se constatada a aplicação de uma vacina fora da validade, o caso deve ser avaliado individualmente para definição da conduta apropriada definida pelo PNI (Programa Nacional de Imunizações). Quem tiver dúvida com relação a validade do imunizante da Astrazeneca que recebeu deve procurar a unidade de saúde em que foi vacinada. Além disso, se o cidadão identificar uma data ou lote divergente da carteirinha em papel em relação ao digital, deve procurar o serviço municipal para emissão de um novo documento impresso.

A prefeitura de Paraguaçu Paulista informa que não recebeu os lotes de vacina de códigos 4120Z025, CTMAV506 e CTMAV501. O DataSUS, no entanto, traz registros de quatro doses ministradas desse primeiro lote, um do segundo lote e um do terceiro.

Já a prefeitura de Tubarão divulgou que constatou que o sistema de lançamento das vacinas aplicadas do Ministério da Saúde transforma a data da aplicação informada “no estilo DIA/MÊS/ANO, para o estilo americano, MÊS/DIA/ANO”, o que pode ter causado um problema de interpretação dos dados. A prefeitura afirma que não houve vacina aplicada após validade.

As datas no padrão americano comum em sistemas desse tipo são devidamente convertidas nas análises.

O levantamento da Folha de S.Paulo identificou pelo menos 26 mil doses vencidas de oito lotes da vacina AstraZeneca aplicadas em diversos postos de saúde do país até 19 de junho. Os dados constam de registros oficiais do Ministério da Saúde. Os imunizantes com o prazo de validade expirado haviam sido utilizados em 1.532 municípios brasileiros.

Os dados levantados são oficiais e públicos do DataSUS, sistema criado na década de 1990 pelo Ministério da Saúde justamente para acompanhar campanhas vacinais como da Covid-19 e para orientar políticas públicas.

Todas os imunizados no país são registrados no DataSUS com código individual (uma espécie de máscara do CPF), sexo, idade, data de vacinação, dose do imunizante recebido, lote, fabricante e outras informações.

Esse registro é responsabilidade dos municípios. O Plano de Operacionalização da Vacina contra Covid-19 define que salas de vacina sem conectividade com a internet devem fazer registros offline e, depois, seus registros para o servidor assim que a conexão com a internet estiver disponível, no prazo máximo de 48 horas.

Já a data de validade dos lotes das vacinas registrados no DataSUS foi levantado pela Folha de S.Paulo nas notas fiscais de cada lote de vacina distribuída no país pelo Sage (Sala de Apoio à Gestão Estratégica).

A Fiocruz, responsável por produzir a vacina AstraZeneca no Brasil, afirma que os lotes citados no texto não foram produzidos pela instituição, e sim importados. É o que afirmou a reportagem da Folha de S.Paulo.

Leia a seguir a íntegra da nota da Fundação Oswaldo Cruz: “Em relação à informação de que doses da vacina AstraZeneca teriam sido aplicadas fora da validade, a Fiocruz esclarece que os referidos lotes não foram produzidos pela instituição. Parte dos lotes (com numeração inicial 4120Z) é referente aos quantitativos importados prontos do Instituto Serum, da Índia, chamada de Covishield, e entregues pela Fiocruz ao Programa Nacional de Imunizações (PNI) do Ministério da Saúde (MS) em janeiro e fevereiro deste ano. Os demais lotes apontados foram fornecidos pela Organização Pan-Americana de Saúde (Opas/OMS). Todas as doses das vacinas importadas da Índia (Covishield) foram entregues pela Fiocruz em janeiro e fevereiro dentro do prazo de validade e em concordância com o MS, de modo a viabilizar a antecipação da implementação do Plano Nacional de Operacionalização da Vacinação contra a Covid-19, diante da situação de pandemia. A Fiocruz está apoiando o PNI na busca de informações junto ao fabricante, na Índia, para subsidiar as orientações a serem dadas pelo Programa àqueles que tiverem tomado a vacina vencida”.

Informações: Bahia Notícias

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