Polarização política e fake news levam a onda de ações por calúnia e difamação

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Em tempos recentes de polarização, discussões políticas têm continuado nos tribunais em uma série de processos por calúnia e difamação.

Levantamento do Tribunal de Justiça do Distrito Federal e Territórios, feito a pedido da Folha, mostra que 1.364 ações por calúnia ou difamação foram protocolados desde o início de 2019.

Dentre os que buscam compensação estão o deputado federal Eduardo Bolsonaro (PSL-SP), que processa Marcelo Freixo (PSOL-RJ), o governador paulista, João Doria (PSDB), que move ação contra o senador Jorge Kajuru (Cidadania-GO), o governador do DF, Ibaneis Rocha (MDB), que busca compensação da ativista Sara Winter, e o youtuber Felipe Neto, que processa o deputado bolsonarista Hélio Negão (PSL-RJ).

Os termos ofensivos passam por mentiroso, playboyzinho, quadrilheiro, nazista, terrorista, ladrão, agiota e pedófilo.

Processada por Ibaneis Rocha por ter dito que ele era “bandido”, Sara Winter, líder do grupo armado de extrema direita 300 do Brasil, busca ela própria compensação. Ela postou em suas redes sociais uma foto com seu time de advogados e escreveu que iria seguir o conselho do escritor Olavo de Carvalho, guru do bolsonarismo, e processar todos que a chamam de fascista.

Seus advogados afirmam que cinco processos já foram protocolados e virão mais. Procurada, ela não comentou as ações judiciais.

Um dos mais processados por difamação é o senador Jorge Kajuru, que afirma responder a mais de 30 ações após ter tomado posse e outras dezenas durante sua vida como jornalista. O parlamentar afirma que muitos processos são encarados como “atestado de idoneidade”.

“Nada do que eu falei do João Doria e do secretário dos Transportes [Metropolitanos, Alexandre Baldy] é pior do que o que o presidente da República já falou com palavrões e tudo o mais”, disse.

Baldy afirma esperar que “Justiça seja feita” nas dezenas de processos que moveu. O senador, por sua vez, diz acreditar que as ações são uma tentativa de calá-lo, mas que ele não vai mudar seu perfil.

“Olha como é a vida, eu com 40 anos de carreira, a única condenação minha foi da [apresentadora] Luciana Gimenez, porque eu falei que ela pensava menos do que uma mesa. Eu pensei que a mesa era que iria me processar e me condenar, porque eu fui injusto com a mesa”, diz.

Além da polarização política, analistas atribuem a grande quantidade de ações do tipo ao fenômeno das fake news.

“Toda vez que o nível de polarização se eleva em demasia, a retórica política fica mais exacerbada e essa exacerbação adquire graus maiores de injúria, calúnia e difamação”, afirma Antônio Lavareda, cientista político e professor da UFPE (Universidade Federal de Pernambuco).

“Tudo isso foi bastante agravado com as redes sociais. Primeiro porque você detectar as críticas e responsabilizar os autores ficou extremamente mais difícil. Veja toda essa discussão em torno da legislação para coibir fake news e punir os autores.”

O Senado aprovou no fim do mês passado projeto de lei sobre as fake news, que obriga as plataformas a manterem políticas para evitar sua disseminação, barrar perfis falsos e armazenar dados para rastrear a origem dos conteúdos.

O projeto será agora analisado pela Câmara dos Deputados. O presidente da Casa, Rodrigo Maia (DEM-RJ), já afirmou que espera a inclusão de “punição severa” para quem espalha fake news.

Especialistas também apontam a influência dos algoritmos no acirramento dos ânimos, que contribuem para segmentar a sociedade. A professora da UnB (Universidade de Brasília) e do IDP (Instituto Brasiliense de Direito Público) Laura Schertel Mendes afirma que esses aspectos contribuem para deformar a esfera pública, como um espaço de integração de pontos de vistas diferentes.

“Quanto mais as pessoas escutam aquilo que elas querem ouvir, mais tendem a se radicalizarem”, afirma.

A professora afirma que a discussão na Câmara pode contribuir se as propostas tiverem como objetivo fortalecer a esfera pública, garantir a transparência (sobre posts impulsionados por robôs, por exemplo) e fortalecer a proteção de dados. Nesse ponto, ela é crítica à proposta aprovada no Senado.

​O presidente da OAB nacional, Felipe Santa Cruz, se considera o alvo número 1 do chamado “gabinete do ódio”, estrutura do Palácio do Planalto que seria usada para disseminar mensagens de difamação.

Santa Cruz calcula ter processado ou estar em vias de processar 50 pessoas e blogs que veicularam informações inverídicas sobre ele e sua família. Em um dos casos, foi divulgado que sua filha adolescente teria recebido R$ 790 mil via Lei Rouanet para uma peça de teatro.

O presidente da OAB afirma que releva as pessoas que repassam as notícias falsas por “ingenuidade”. No entanto, mantém uma estrutura para monitorar os ataques vindos de blogs bolsonaristas. Um dos processos já foi concluído e resultou em indenização.

“Esse blogs que dão caráter jornalístico, aí eu tenho que processar, para ser pedagógico, processar porque o debate público não pode ele ser todo feito de mentiras, que ultrapassam até mesmo os limites da família da pessoa, crianças. Imagina o dano que isso pode causar na escola da minha filha”, diz.

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