Não cancela, por favor! Entenda por que motoristas por aplicativo estão cancelando corridas

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População reclama da demora e motoristas dizem que o problema são os custos.

O aposentado Antônio Carlos Alves, 74 anos, mora a 15 minutos de carro do hospital onde faz tratamento. Conseguir uma vaga tão perto de casa foi uma benção, mas chegar a tempo das consultas tem sido um desafio. A família não tem carro e usa o transporte por aplicativo como meio, mas os motoristas cancelam tanto as corridas que é preciso fazer o pedido com 1h de antecedência. Mesmo assim, da última vez, ele chegou atrasado e quase perdeu a consulta.

Seu Antônio Carlos não está sozinho. Basta um passeio pelas redes sociais ou uma conversa entre amigos para encontrar muita gente na mesma situação, falta paciência e sobra reclamações. O presidente do Sindicato dos Motoristas por Aplicativos e Condutores de Cooperativas do Estado da Bahia (Simactter), Átila Santana, estima que tenha aumentado em 50% o nível de cancelamento das corridas por aplicativo. A sobrinha do seu Antônio, Maria Alice Santana, 31, conta que a situação ficou pior nos dois últimos meses.

Clientes relatam dificuldade de conseguir carro (Foto: Reprodução)

“Ele pede para eu chamar o carro 1h antes da consulta, disse que prefere ter que esperar no hospital do que atrasar, mesmo assim está difícil. Da última vez foram vários cancelamentos. O pior é que os motoristas nem sempre cancelam logo a corrida, muitos aceitam e não vem. A gente fica esperando e eles não aparecem”, contou.

Ela narrou outros episódios em que esse comportamento atrasou a saída em quase uma hora. “No domingo, estava indo para a igreja e três motoristas aceitaram e depois cancelaram a corrida. Fiquei igual uma trouxa esperando. O que aceitou de verdade me disse que isso se tornou rotineiro porque eles não gostam de viagens curtas”, disse.

As corridas para o hospital e para a igreja levam em média 15 minutos e o valor fica entorno de R$ 10. Já para o servidor público João Vitor Oliveira, 32, a espera acontece por outro motivo. “No meu caso o problema não é a distância da corrida, mas a distância do motorista para vir me pegar em casa. Geralmente só tem carro a 8 ou 10 minutos, e eles sempre cancelam”, contou.

Razões
A resposta para todas as reclamações está no mesmo endereço: o posto de combustível. A gasolina começou o ano sendo vendida o litro a R$ 1.83, nas refinarias. Desde então, houve nove correções e 51% de alta no ano, até agora. Em Salvador, nas bombas, o litro do combustível já supera os R$ 6.

Segundo o presidente do Simactter, o reajuste consecutivo no preço da gasolina e a falta de subsídio das empresas de transporte por aplicativo tem levado a categoria a recusar corridas muito baratas e com local de embarque distante.

“O custo não está mais compensando. Quando é descontado o valor da empresa e do combustível, e a gasolina está batendo quase R$ 7 o litro, não vale a pena. Tem motorista trabalhando mais de 12h por dia para conseguir pagar as contas. Além disso, existem as despesas com a manutenção do carro”, afirmou.

Ele contou que algumas empresas de aplicativo mudaram a maneira de cobrar pelas corridas. Abriram mão do percentual fixo e estão calculando o valor com base na quilometragem rodada.

“Mas elas não levam em consideração o deslocamento até o cliente e nem o tempo que o trabalhador está parado no engarrafamento, consumindo combustível. Em algumas situações o motorista perde até 40% da corrida”, afirmou.

Marcelo Oliveira, 37 anos, é motorista de aplicativo e explica como funciona a seleção de corridas feita pelos motoristas. “A gente olha o nosso deslocamento até o cliente. Digamos que tenho três quilômetros de distância até ele para depois levá-lo a um lugar que também fica a três quilômetros de distância e o valor da corrida dá, normalmente, R$ 6. No total, eu vou percorrer seis quilômetros para ganhar R$ 6. Isso dá R$ 1 real por quilômetro, logo, não vale a pena”, explica.

Nesse caso apontado por Marcelo, a corrida curta só sairia vantajosa caso o motorista estivesse perto do local onde o passageiro solicitou a viagem, o que ele afirma ser incomum. “Eu acabei de pegar uma corrida que o passageiro estava a quatro quilômetros de distância de mim. Só peguei, pois estava no preço dinâmico e o destino era um bairro que eu já estava indo”, explica.

Marcelo é motorista de aplicativo (Foto: Arisson Marinho/Arquivo CORREIO)

Matheus Mendes também é motorista por aplicativo e afirma ser importante diferenciar o perfil dos colaboradores que atuam na plataforma. “Tem aquele que trabalha com carro próprio e todo quitado, tem o que ainda está pagando seu veículo e o que trabalha com carro alugado, o que é algo muito complicado. Esse último se vê realmente obrigado a fazer uma seleção de corridas que considere rentável”, explica.

No entanto, Matheus afirma que não necessariamente as corridas longas são as mais rentáveis e sim as que estão com preço dinâmico. “Eu costumo pegar corrida curtas que estão com valor maior do que o normal, pois você faz um curto deslocamento para ganhar mais”, argumenta. Para o passageiro que deseja mais agilidade, ele recomenda optar pelas tarifas mais caras do aplicativo. “Isso aumenta a possibilidade de aceitação, pois o motorista vai calcular que é mais rentável”, aponta.

A insegurança é outro fator que tem feito a categoria cancelar corridas em alguns bairros. Com medo dos criminosos, alguns trabalhadores recusam chamados para determindas regiões e os passageiros ficam a ver navios

Mudanças
O transporte por aplicativo foi regulamentado em Salvador em 28 de agosto de 2019, em uma sessão tumultuada na Câmara Municipal, onde houve enfretamento entre a categoria e taxistas.

O presidente do sindicato informou que está elaborando junto com vereadores uma nova resolução que propõe mudanças nas obrigações das empresas por aplicativo para com os trabalhadores. Um dos pontos é a revisão da maneira como o percentual de desconto é calculado. O texto está em fase de elaboração.

Enquanto a categoria e as empresas travam uma queda de braço pelos custos do serviço, a população vai precisar ter muita paciência. O primeiro aplicativo começou a operar em Salvador em abril de 2016, sob protestos. Cindo anos depois, são 28 mil motoristas cadastrados nas plataformas e os usuários defendem que o cancelamento não é a melhor saída.

Liberdade vigiada
Procuradas, as duas empresas de aplicativo mais usadas na cidade disseram que houve aumento na demanda e que cancelamentos são permitidos. Em nota, a Uber disse que os motoristas parceiros são independentes para cancelar viagens quando julgarem necessário, mas que revisa constantemente essas ações para identificar suspeitas de violação e que, dependendo da situação, a conta pode ser banida.

“A demanda elevada significa que o app da Uber está tocando sem parar para os parceiros, situação em que eles relatam se sentirem mais confortáveis para recusar viagens, pois sabem que virão outros chamados na sequência, possivelmente com ganhos maiores”, diz a nota.

A empresa disse também que, em 2018, a taxa cobrada dos motoristas parceiros, que era 25%, passou a ser variável e que o profissional sempre fica com a maior parte do valor pago pelo usuário. Na semana passada, a Uber anunciou que vai aumentar os repasses feitos aos motoristas e que isso não terá efeito sobre o preço cobrado dos consumidores. No entanto, passageiros já relatam que as corridas estao mais cara, apesar da Uber negar.

Já a 99 disse que a taxa cobrada dos motoristas leva em conta a distância percorrida e o tempo de deslocamento, e que o desconto máximo é de 30%. Em nota, a empresa disse também que criou um pacote de apoio aos motoristas parceiros, e que monitora os cancelamentos.

“A 99 é uma empresa que conecta passageiros e motoristas parceiros, que possuem liberdade para escolher a jornada de trabalho e as corridas que pretendem fazer. Há, entretanto, um limite de corridas que podem ser canceladas sem ônus para o parceiro – como também ocorre para os passageiros”, diz a nota.

A empresa disse também que garantiu mais de R$ 3,1 milhões em desconto nos postos da rede Shell neste ano para os motoristas parceiros e que tem oferecido descontos de até 100% em algumas corridas. Na semana passada, a empresa disse que vai reajustar o valor das viagens e que elas vão ficar de 10% a 15% mais caras.

A 99 também disse que não tem dados de aumento de cancelamento de viagens ou de pedido de viagens não aceitos por parte dos motoristas. Sobre isso, a Uber não respondeu até o fechamento do texto.

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