‘How Bizarre’, OMC e o hit mais bizarro da história: letra sobre preconceito foi feita em 15 minutos

howbizarre

Uma das músicas mais tocadas em 1996 tinha arranjo que parecia um prato de uma pessoa indecisa em um restaurante self-service (Pizza, sushi de kani e farofa… por que não?).

Em “How bizarre”, havia trompetistas mariachis, violãozinho inspirado em Lou Reed, rap contra o abuso da polícia neozelandesa e refrão soul rimando “baby” e “crazy”.

Feita em poucas horas, ela traduz o caos que é a vida, resume ao g1 o produtor e compositor do hit, Alan Jansson. Com mais de 50 anos a serviço da música pop da Nova Zelândia, ele ajudou o então jovem rapper de 25 anos Pauly Fuemana a chegar ao topo da parada americana.

“How Bizarre” rendeu pelo menos US$ 11 milhões em direitos autorais para os dois autores: Alan e Pauly.

“Tirando o nascimento das minhas duas filhas, esse foi o momento mais emocionante da minha vida”, resume Alan (veja entrevista no vídeo acima).

Na série semanal “Quando eu hitei”, artistas do pop relembram como foi o auge e contam como estão agora. São nomes que você talvez não se lembre, mas quando ouve a música pensa “aaaah, isso tocou muito”. Leia mais textos da série e veja vídeos ao final desta reportagem.

Pauly Fuemana, do OMC — Foto: Divulgação/Facebook da banda

Pauly Fuemana, do OMC — Foto: Divulgação/Facebook da banda

Uma bizarra blitz da polícia

A letra foi criada e gravada por Pauly em menos de 15 minutos. O cantor morreu em 2010, aos 40 anos, depois de gastar todo o dinheiro que ganhou com “How bizarre”. A causa oficial da morte foi pneumonia, mas ele tinha uma doença neurológica.

Mesmo assim, ele continua sendo o cantor mais ouvido da história da Nova Zelândia por conta de versos em que denuncia o preconceito da polícia local:

Cenas do clipe de 'How Bizarre', do OMC — Foto: Reprodução“De repente luzes azuis e vermelhas
Brilharam vindo de trás
Em voz alta:
‘Todos vocês, por favor, para o acostamento’
Pele diz palavras de conforto, Zina apenas esconde os olhos
O policial abaixa os óculos:
‘Esse é um Chevette 69?’
Que bizarro!”

Para Pauly, era bizarro ser parado com um carrão vintage só por preconceito: os integrantes do OMC eram de povos indígenas da periferia da cidade de Auckland.

Indígenas indies

Em 1994, Alan Jansson reuniu artistas para uma coletânea chamada “Proud”. A ideia era mostrar que os neozelandeses tinham motivo para ter orgulho.

Eram oito bandas indígenas indies representavam o som dos jovens de povos nativos da Polinésia, como o maori e o samoano.

Dentre essas bandas, duas se destacavam. Uma era a Sisters Underground, com garotas misturando R&B e rap. A outra era uma tal de Otara Millionaires Club, ou OMC.

Com maioria indígena, o bairro de Otara ficava na parte mais pobre da cidade de Auckland, na região sul dessa que é a cidade mais populosa da Nova Zelândia.

Pauly Fuemana, do OMC, nos bastidores de uma turnê da banda nos anos 90 — Foto: Divulgação/Facebook da banda

Pauly Fuemana, do OMC, nos bastidores de uma turnê da banda nos anos 90 — Foto: Divulgação/Facebook da banda

Daí, logo depois desse projeto, as duas bandas separaram. Mas o vocalista do OMC continuou trabalhando com o Allan. E a primeira música que eles fizeram juntos foi justamente “How Bizarre”.

Alan conta que essa coletânea foi gravada na correria para que aqueles artistas tivessem o que tocar em uma turnê pela Oceania chamada Big Day Out.

“O que aconteceu foi que não tínhamos nenhuma música. Então, escrevemos oito músicas, três noites antes de viajarmos. Acredita? Eu nunca quis ser produtor, mas ninguém por aqui estava fazendo isso naquela época. Então, comecei a fazer isso sozinho.”

Nessa turnê, as bandas iniciantes tocaram para públicos de até 40 mil pessoas. Em um dos shows na Austrália, saiu uma crítica positiva na versão australiana da revista “Rolling Stone”. Entre outros elogios, Pauly foi chamado de alguém que “canta e que se move como um jovem Marvin Gaye”.

“Quando saímos da Nova Zelândia, ninguém queria saber da gente. Quando voltamos, todo mundo queria falar com a gente. Pessoas vieram nos ver no aeroporto.”

O produtor Alan Jansson, que produziu e escreveu 'How Bizarre' — Foto: Reprodução/RNZ

O produtor Alan Jansson, que produziu e escreveu ‘How Bizarre’ — Foto: Reprodução/RNZ

O crítico também disse que o som do OMC “era meio Lou Reed, meio Bob Dylan”, o que deixou Alan desconcertado (“do que esse cara está falando?”).

Ele estava falando do som do OMC, antes do hit “How Bizarre”. Logo depois da turnê e da coletânea, o grupo virou um projeto de Pauly, sempre acompanhado por outros cantores e músicos.

Mas a melhor companhia para Pauly sempre foi a de Alan. Uma vez no estúdio, o produtor pegou um violão e começou a tocar acordes acompanhando improvisos do rapper.

“Toquei o violão com uma pegada meio Lou Reed. E ele disse ‘Oh, uau, eu tenho algumas palavras para isso’. E ele começou a cantar: ‘Toda a hora que eu olho em volta, você não está’. Eu disse: ‘não sei sobre essa parte do ‘você não está’, mas gostei de ‘toda hora que eu olho em volta’, vamos fazer algo a partir disso’.”

A música foi toda criada a partir do verso “Everytime I look around”. O resto saiu em 15 minutos: “Ele apenas leu em um pedaço de papel… e eu não sei por que, mas cada vez que voltávamos, passávamos horas tentando gravar tudo com precisão e não soava nada bom. Os originais que fizemos em 15 minutos soavam ótimos, sabe?”

Pauly, do OMC, ao lado de original da letra de 'How Bizarre' — Foto: Reprodução/Facebook da banda

Pauly, do OMC, ao lado de original da letra de ‘How Bizarre’ — Foto: Reprodução/Facebook da banda

Quase plágios

Quase tudo na música ficou melhor na primeira gravação. “Foi muito rápido e muito fácil, e aquela “tatata, tatata”, que é uma guitarra espanhola. Era uma guitarra de US$ 15 com cordas de nylon que eu comprei em um brechó.

Fã do trompetista americano Herb Alpert, Pauly pediu que Alan incluísse uns trompetes no arranjo. O cantor começou a imitar o som do instrumento e como ele encaixaria na música.

“Me faz lembrar de ‘Blue Moon’, sabe? Eu não vou dizer que eu roubei, mas eu peguei a ideia, peguei um pouco da melodia”, reconhece Alan, citando a versão conhecida com o grupo vocal The Marcels, de 1961.

Depois do sucesso, ele ouviu de executivos que poderia rolar um ou outro processo por plágio, mas para a sorte dele, nenhum deles foi para frente.

O violão, por sua vez, tem a ver com outra música do começo dos anos 60. “Não eram as notas exatas de ‘Spanish Harlem’, mas tinha uma pegada de ‘Spanish Harlem’.” A balada composta e produzida por Phil Spector era conhecida na voz de Ben E. King (veja trecho no vídeo do topo).

“Eu sempre vou lembrar do meu editor dizendo para mim: ‘Alan, ou vai ser o maior sucesso de nossas carreiras ou nós dois somos uns puta estúpidos’.”

Um hit de rádio

“How Bizarre” ficou em primeiro no top 40 mainstream, a parada das rádios americanas, mas nunca foi para o hot 100, a principal parada, porque ela nunca foi lançada oficialmente como single, aquele disquinho com geralmente três ou quatro músicas. Ele se lembra com detalhes do dia em que descobriu que tinha chegado ao topo.

“Eu estava lá embaixo e eu acho que estava passando aspirador ou algo assim e ouvi Casey Kasem [radialista] dizer: ‘O single número um desta semana vem de uma banda da Nova Zelândia’. Eu coloquei o aspirador no canto, aumentei o volume do rádio e ele disse que ‘É o OMC’.”

“A gente ia para fora e ouvia as pessoas falando ‘Parabéns, vocês conseguiram’. E daí aqui na Nova Zelândia diziam: ‘Ah, vocês fizeram aquela musiquinha engraçada… how bizarre, how bizarre’. A gente não teve muito apoio aqui, eu tenho que dizer.”

Segundo Alan, várias palavras foram cantadas pensando em agradar americanos. Quem é da Nova Zelândia não chama um carro da Chevette de Chevy, e não fala que fuzileiro naval é Marine.

“Nós falamos sobre Chevys, sabe? São coisas que os americanos poderiam se identificar. Então, foi uma tentativa deliberada de chegar ao primeiro lugar.”

Outro segredo para o sucesso foi bem simples: deixar o microfone ligado. “Pauly foi um ótimo artista para trabalhar, mas você tinha que deixar o gravador rodando assim que ele entrava no estúdio, porque ele nunca fazia a mesma coisa duas vezes.”

Sem um segundo sucesso

Pauly, vocalista do OMC — Foto: Divulgação/Facebook da banda

Pauly, vocalista do OMC — Foto: Divulgação/Facebook da banda

Pauly tentou repetir o sucesso de “How Bizarre”, sempre com a ajuda do Alan, mas não rolou. Em 2006, o cantor deu entrevistas falando que estava falido.

Em 2007, ele voltou a procurar Jansson. Pauly, Alan e uma atriz da Nova Zelândia, chamada Lucy Lawless, gravaram uma música chamada “4 all of us” (veja trecho no vídeo do topo). A canção com a atriz de “Xena, a princesa guerreira” foi mal nas paradas.

Três anos depois deste clipe, Pauly Fuemana morreu. O cantor deixou a esposa Kirstine e cinco filhos.

“Na verdade, eu fiquei bem chocado. Porque perdi um bom amigo, sabe? Um amigo louco, mas um bom amigo. Eu o amava.”

Além do OMC, vários outros artistas daquela cena, chamada de Som Urbano do Pacífico, gravaram clipes e assinaram contratos com gravadora. Mas nenhum fez sucesso.

“Quando comecei, não havia polinésios em Auckland que tinham um contrato com uma gravadora. Mas depois que aquele álbum saiu, a coletânea ‘Proud’, parece que não havia um polinésio em Auckland sem um contrato com gravadora”.

A voz do refrão

Simon Grigg, Alan Jansson e Sina ao lado de um produtor, no lançamento do álbum de estreia da cantora — Foto: Divulgação

Simon Grigg, Alan Jansson e Sina ao lado de um produtor, no lançamento do álbum de estreia da cantora — Foto: Divulgação

Uma das artistas dessa cena foi uma cantora chamada a Sina, a voz do refrão de “How Bizarre”. O nome dela é citado três vezes na letra da música.

Alan elogia muito a voz doce da cantora e o álbum gravado com ela. Mas no começo da carreira solo pós-estouro do OMC, ela começou a não aparecer em entrevistas, em eventos com fãs e em shows. Isso fez com o que o contrato fosse rompido e o disco não fosse lançado.

“Era um álbum adorável, estava muito orgulhoso dele. O que aconteceu foi que Sina se envolveu com drogas, sabe? E a gravadora acabou dizendo que não podia correr o risco, ela estava fora de si toda hora.”

“O que ela tinha que fazer era ir a três lojas de discos e ela teria conseguido o número um na Nova Zelândia, porque eles tinham centenas de crianças ali querendo ver a Sina e ela não apareceu. Ela se arrependeu disso, mas agora é tarde.”

Sina no clipe de 'How Bizarre', do OMC, e na capa do primeiro álbum solo' — Foto: Reprodução

Sina no clipe de ‘How Bizarre’, do OMC, e na capa do primeiro álbum solo’ — Foto: Reprodução

Diferentemente de “How Bizarre”, o álbum solo de Sina foi feito com calma. “Eu tive muito tempo para fazer e me pagaram um bom dinheiro para produzir.”

Em 2017, 19 anos mais tarde, finalmente o álbum de estreia de Sina foi lançado, mas sem fazer muito barulho e em tiragem limitada.

E agora, Sr. Jansson?

Depois de ter uma banda punk nos 70, uma de rock eletrônico nos anos 80 e ter um megahit pop dançante nos anos 90, Alan Jansson segue produzindo.

Ele vem trabalhando com uma cantora de country e em uma coletânea de artistas da eletrônica, mais voltada para o drum and bass. Também se dedica a trilhas de filmes na Nova Zelândia.

“Eu meio que usei o dinheiro de ‘How Bizarre’ para construir meu estúdio e aprender sozinho como fazer as coisas.”

Alan Jansson em capa de revista de música em julho de 1980 — Foto: Reprodução

Alan Jansson em capa de revista de música em julho de 1980 — Foto: Reprodução

Só que a maior fonte de renda ainda é “How Bizarre”. O dinheiro vem do streaming e dos direitos autorais por ainda tocar muito em rádio e na TV. A música virou trend do TikTok, mas dinheiro que é bom, nada…

“Ainda não vi royalties disso, mas me disseram que tinha cinco bilhões de acessos. Então, você espera ver algum dinheiro disso tudo, mas eu não vi nada. Talvez vejamos algo no Natal, pode ser um bom natal.”

Outro projeto que está bem no começo é um filme baseado na história do OMC. Uma prima do Pauly, a cineasta e escritora Dianna Fuemana, está escrevendo um roteiro.

“A gente gostaria que ela fizesse, para manter isso na família. Não sei quem vai me interpretar.”

Informações: G1

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