Espécie de fungo que brilha no escuro é descoberta na Amazônia

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Era noite de lua nova e tempo nublado na Amazônia quando a pesquisadora Noemia Ishikawa viu pela primeira vez os fungos bioluminescentes, em 2017. Eles foram apresentados por um morador da região, o indígena Aldevan Baniwa, que conhecia o fenômeno como “Brilhos da Floresta”.

Os brilhos já eram conhecidos da comunidade indígena, em São Gabriel da Cachoeira (AM), e usados como iluminadores das trilhas. Eles não podiam ser vistos em noites com forte luz da lua e muito menos com luzes da cidade.

No final de novembro deste ano, pesquisadores catalogaram a segunda espécie de fungo bioluminescente descoberta na Amazônia. Ela foi vista pela primeira vez em 2018, nas margens do rio Cuieiras, que liga Manaus a Maués (AM).

Foram cerca de três anos de análises até o grupo do Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (Inpa), que estuda fungos bioluminescentes, anunciar a descoberta dessa nova espécie. O resultado da pesquisa foi publicado na última semana na revista cientifica Mycoscience, da Agência de Ciência e Tecnologia do Japão.

A pesquisadora Noemia Ishikawa afirma que uma das formas de comprovar que um fungo é bioluminescente é através da fotografia, o que, segundo ela, é difícil de fazer por conta da sensibilidade da luz emitida por eles.

“Nesse caso, para confirmar se realmente era uma nova espécie nós estudamos a descrição da morfologia, da parte microscópica, as células, que são utilizadas para a identificação da espécie, além de fazer a sequência de DNA e nós constatamos que esse era um tipo diferente de fungo bioluminescente”, explica.

Até 2018, a Amazônia contava apenas com uma espécie de fungo bioluminescente catalogada. A nova espécie, batizada de Mycena cristinae, é uma homenagem à professora da Universidade Federal do Amazonas (Ufam), Cristina Maki, que fazia parte do grupo de pesquisa, mas faleceu antes da conclusão.

Na floresta, os fungos bioluminescentes podem estar em estar em troncos de árvores caídos e nas folhas do chão.

O principal pesquisador envolvido no projeto, Jadson Oliveira, conta que já fez diversas expedições para descobrir espécies de fungos na região amazônica. A nova espécie foi coletada por uma aluna de Jadson em uma das expedições e depois seguiu para análise e sequenciamento.

“Quando você encontra um fungo bioluminoso na floresta, parece que você está vendo uma noite estrelada, só que no chão. Para achar um cogumelo parece um pouco difícil, mas no substrato é bem mais fácil”, relembra.

Por que brilha?

Os fungos bioluminescentes brilham em decorrência de uma reação química semelhante a que ocorre com vaga-lumes e outros organismos. Nela, a luciferina metabolizada reage com o oxigênio e com a uma enzima chamada luciferase, criando energia química na forma de luz fria. Segundo Jadson Oliveira, esse fenômeno luminoso, consequência do metabolismo energético de alguns fungos, necessita muitos esclarecimentos quanto ao seu papel.

“Até o momento, os estudos ainda não determinaram uma função objeta para esses fungos brilharem. Várias hipóteses vêm sendo propostas e avaliadas, uma delas a atração de dispersores de esporos. Outra linha argumenta que este seria apenas uma consequência ocasional das cadeias metabólicas destes fungos envolvendo o oxigênio e a respiração. O porquê e para quê a ciência ainda não tem uma resposta conclusiva. E pode ser que a luminescência tenha múltiplas funções e influências para esses fungos e para com quem interagem na natureza.”

Importância para a biodiversidade

Na floresta, os fungos são importantes na decomposição e liberação de nutrientes que ficam nos galhos e folhas das árvores. Eles decompõem os restos de árvores e animais mortos para depois devolver os nutrientes para a terra, fazendo com que outras plantas absorvam os nutrientes.

“Aqui na Floresta Amazônica essa espécie em particular é degradadora de troncos. A gente pode ver que o tronco também brilha, ou seja, eles também agem nessa superfície, liberando enzimas e digerindo a madeira. Esse processo todo faz com o que o ecossistema amazônico funcione corretamente”, explica Jadson.

Fortalecimento do Micoturismo

Em 2019, a equipe de pesquisadores também descobriu que poderia interligar conhecimentos sobre os fungos bioluminescentes ao turismo, atraindo a curiosidade do público. O micoturismo une o estudo sobre os fungos ao turismo, principalmente o noturno.

Em expedições organizadas por eles, turistas em Belém e na região próxima ao Rio Cuieiras, em Maués, puderam conhecer fungos bioluminescentes.

“O atrativo dessa atividade é expandir o conhecimento sobre os fungos, tanto de dia quanto à noite. Então, nos anos anteriores à pandemia, a gente fazia expedições com trilhas demarcadas para que as pessoas pudessem observar as folhas com fungo bioluminescentes. No Amazonas, ainda estamos começando a andar nessa área. Estamos tentando implementar”, conta Ruby Vargas Isla, outra pesquisadora do projeto.

Democratizar o acesso à ciência

Para facilitar o entendimento sobre a espécie, os cientistas criaram até um livro ilustrado, que conta como os “fungos que brilham” foram descobertos. O livro está disponível para download gratuito no site do Inpa, em diversos idiomas.

Segundo Noemia, a produção é uma forma de aproximar a ciência da população. “Deixando esse assunto chegar para perto da população a gente garante a preservação da floresta através do encantamento. É o nosso jeito de proteger. Só falar sobre o assunto pode até não impactar tanto, mas mostrar, na prática, encanta e pode ajudar a preservar”, diz.

Além disso, uma exposição inspirada na pesquisa foi montada pela artista amazonense Hadna Abreu para quem quer conhecer mais sobre fungos bioluminescentes sem precisar sair da cidade. A partir de sábado (4), o público vai poder conferir de forma gratuita a exposição interativa “Amazônia ao Cubo” e vai poder ter a experiência de como é conhecer o brilho da floresta.

Fonte: G1

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