A CPI da Covid ouviu, nesta quinta-feira (26), o ex-funcionário da Anvisa José Ricardo Santana. Ele participou do jantar em que o então diretor do Ministério da Saúde Roberto Dias teria pedido US$ 1 de propina por dose de vacina contra Covid.
No encontro do dia 25 de fevereiro, havia quatro pessoas. Três já tinham prestado depoimento à CPI:
– Luiz Dominghetti, representante da empresa Davati, que tentava vender vacinas sem ter como entregá-las. Ele denunciou o pedido de propina de US$ 1 por dose de vacina que o governo comprasse;
– Roberto Dias, então diretor de Logística do ministério, que teria sido o autor do pedido da propina;
– e o coronel Marcelo Blanco, que deixou o Ministério da Saúde e abriu uma empresa para atuar na área de saúde.
Nesta quinta-feira, a CPI tomou o depoimento do quarto personagem do jantar, José Ricardo Santana. Assim como Roberto Dias e o coronel Blanco, ele negou ter ouvido o pedido de propina. Santana apresentou uma versão diferente sobre a relação que mantinha com Roberto Dias.
Em julho, Dias falou à CPI como se os dois fossem amigos de encontros eventuais, que nunca trabalharam juntos.
“O último trabalho de que eu tenho conhecimento, ele trabalhava na Câmara de Medicamentos da Anvisa”, declarou Roberto Dias à CPI no dia 7 de julho.
Mas, nesta quinta-feira, Santana admitiu que foi convidado por Roberto Dias para trabalhar com ele no Ministério da Saúde.
Randolfe Rodrigues (Rede/AP): Quem o convidou?
Santana: Quem me convidou foi o Roberto Dias.
Renan Calheiros (MDB/AL): Ou seja, o senhor deixou a Anvisa, foi para o ministério, e ele não lembrava. Ele que o chamou e ele não lembrou no depoimento.
Ricardo Santana pediu demissão da Anvisa e trabalhou informalmente na diretoria de Logística, de Roberto Dias, sem ser contratado, por cerca de três meses, o que pode levá-lo a responder pelo crime de usurpação de função pública.
Santana: Fui convidado à época do Luiz Henrique Mandetta. Num curto espaço de tempo, ele deixou o ministério. Na sequência, nós tivemos o ministro Nelson Teich, que ficou pouco tempo; e aí assumiu o ministro Pazuello. Acredito eu que essa minha nomeação, presumo que ela não tenha sido efetivada em virtude dessa rotatividade de ministros
Renan: E precisava remunerar? Já tinha aberto mão de uma remuneração de mais de R$ 30 mil na Anvisa, não tinha como ter um salário semelhante no Ministério da Saúde e nem precisava, porque – a CPI já detectou – os interesses que vossa excelência defendia lá eram inconfessáveis, eram interesses privados em detrimento da vida, do interesse público.
Até mesmo o senador governista Jorginho Mello, do PL, disse que Ricardo Santana fazia parte de uma quadrilha dentro do Ministério da Saúde, mas reforçou a versão de que o governo conseguiu evitar um golpe.
“Se instalou uma quadrilha para tentar vender para o governo brasileiro, e não conseguiram. Graças a Deus não conseguiram, porque queriam saquear o Estado brasileiro, entende? Porque cada um que vem aqui, algumas pessoas, que é o seu caso também, é uma afronta, é uma ‘mentiragem’, é uma conversa descabida”, disse Jorginho Mello.
Ricardo Santana começou o depoimento na condição de testemunha e passou a ser investigado. Na avaliação do relator, Renan Calheiros, ele teve papel importante na negociação entre a Precisa, o Ministério da Saúde e o laboratório que produz a vacina Covaxin, e está por trás de muitas irregularidades.
Senadores disseram que Santana atuava dentro do Ministério da Saúde como um lobista da Precisa Medicamentos, que intermediou a compra da vacina Covaxin: contrato de R$ 1,6 bilhão. A CPI encontrou inclusive voos pagos pela Precisa para ele ir à Índia negociar a vacina juntamente com o dono da empresa, Francisco Maximiano.
Diferentemente do início do depoimento, quando estava respondendo a todas as perguntas, Ricardo Santana se calou quando foi questionado sobre a Precisa.
Humberto Costa (PT/PE): O senhor pode falar alguma coisa sobre essa questão dessa viagem à Índia ou tudo pode incriminá-lo?
Santana: Com todo o respeito, senador, por ordem, por orientação do meu advogado, permanecerei em silêncio.
Humberto: Agora, o engraçado é que também quando a gente perguntou ao senhor Max, quando esteve aqui, se o conhecia, e estavam todos os dois lá na Índia, o senhor Max respondeu. Quando nós perguntamos sobre o senhor José Ricardo Santana, ele disse: “Me reservo ao direito de ficar em silêncio”. Quer ver? Boa coisa não foi feita aí nessa comitiva que foi lá para a Índia, sinceramente. Então, não vou nem perguntar sobre a Índia.
Ricardo Santana é suspeito também de participar da tentativa da Precisa de fraudar licitações de compras de testes de Covid para os governos do Distrito Federal, Mato Grosso, Pará e o governo federal. Só com o Ministério da Saúde, negócio era de R$ 1 bilhão.
O vice-presidente da CPI, Randolfe Rodrigues, da Rede, mostrou uma troca de mensagens entre Ricardo Santana; o dono da Precisa, Francisco Maximiano; Roberto Dias; e o lobista Marcony Ferraz, em que eles teriam montado um esquema para eliminar os concorrentes e vencer a licitação.
A compra acabou sendo cancelada por causa da baixa qualidade dos testes oferecidos pela Precisa.
“’Essa é a arquitetura ideal para o processo dos kits prosseguir’, ou seja, é encaminhado pelo senhor Marcony ao senhor Ricardo Santana, para chegar ao senhor Roberto Ferreira Dias. Aí tem passo a passo. O último procedimento: ‘Empenha e contrata’. Então, tem duas mensagens ensinando como é que iria burlar a Abbott, como é que iria burlar a segunda colocada, para beneficiar quem? A Precisa, para acessar um contrato de mais de R$ 1 bilhão. Era este o golpe em curso”, disse Randolfe.
Informações: JN