Como os planos dos EUA para Amazônia devem desafiar Bolsonaro

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Chamado de Plano de Proteção da Amazônia, o documento está sob análise de congressistas e de John Kerry, ex-secretário de Estado no governo de Barack Obama nomeado por Biden para cuidar da política de mudanças climáticas.

O plano sugere como os Estados Unidos deveriam investir os 20 bilhões de dólares que Biden prometeu mobilizar para conservar a maior floresta tropical do mundo. A estratégia foi construída em cima de quatro pilares: financiamento público e privado; comércio sustentável; transparência das cadeias de suprimento; e diplomacia.

Resistência

Embora demonstrem otimismo, os autores do plano consideram que podem encontrar resistência do lado brasileiro. Ainda durante a campanha eleitoral, quando Biden falou sobre a intenção de priorizar a Amazônia, Bolsonaro reagiu mal.

“Entendemos que Bolsonaro não amou imediatamente o plano de Biden. Por isso é preciso trabalhar com a sociedade brasileira, empresas, governadores e políticos que estejam interessados em fazer parcerias com os Estados Unidos”, comenta, em entrevista à DW Brasil, Nigel Purvis, ex-negociador do clima do governo americano e que prestou assessoria para a elaboração do Plano de Proteção da Amazônia.

Quando outro país fala sobre a Amazônia, é comum Bolsonaro questionar o interesse internacional na região. A resposta do presidente costuma seguir uma linha única: trata-se de uma violação à soberania.

O interesse externo, porém, muitas vezes está ancorado na ciência. Para além do impacto regional, o desmatamento na Amazônia tem implicações globais.

Clima

Modelos de simulação climática desenvolvidos por cientistas no Brasil e nos Estados Unidos, por exemplo, apontam que a destruição dessa floresta influencia o aumento da temperatura em regiões como a Califórnia, destaca Izabella Teixeira, ex-ministra do Meio Ambiente.

“O Brasil tem que parar com retrocessos e desmatamento da Amazônia. Isso é imperativo global. Estamos perdendo a floresta para o crime”, comenta Teixeira.

Nesse sentido, ela pontua a importância da colaboração regional. “Combater o crime ambiental na Amazônia é lidar com crime organizado, tráfico de drogas, ouro, armas, madeira.”

Em 2020, o desmatamento na região atingiu o maior patamar em mais de uma década. Foram 11.088 km² de devastação, a maior taxa registrada desde 2008, segundo dados do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe).

O enfrentamento ao crime ambiental é citado no plano entregue a Biden. Além de propor o apoio do governo dos EUA ao combate ao desmatamento e à compensação financeira de projetos que diminuam as taxas de devastação, a proposta abarca fortemente o setor privado.

Os 20 bilhões de dólares previstos, valor 20 vezes maior ao que os Estados Unidos prometeram para proteção de florestas no mundo todo durante a Conferência do Clima de 2009, viriam também de compromissos assumidos por empresas, esclarece Nigel Purvis.

“Existem empresas de diferentes setores interessadas. Nós vamos reunir essas intenções”, detalha Purvis, citando companhias aéreas. “Além das companhias de tecnologia, como Microsoft, Apple, Google, que querem neutralizar suas emissões de carbono num prazo curto”, adiciona.

Mais direitos indígenas, zero commodity ilegal

Entre as recomendações feitas a Biden estão o fortalecimento da agricultura familiar e dos direitos das populações indígenas – temas que nunca foram prioritários para Bolsonaro.

“A ciência é clara: territórios indígenas têm as florestas mais conservadas do mundo. Ou seja, é uma tremenda solução contra as mudanças climáticas. Os autores [do plano] reconhecem o sucesso de indígenas em gerenciar e proteger a floresta”, explica Purvis.

Para os Estados Unidos, assegurar que produtos importados do Brasil não venham de áreas desmatadas ilegalmente, ao que tudo indica, será uma prioridade.

“O povo brasileiro é que decide o que é desmatamento legal ou ilegal. É nossa responsabilidade apoiar o Brasil e não nos tornarmos um mercado para produtos ilegais, não criar incentivos para desmatamento”, adiciona o ex-negociador.

A estratégia aumenta a responsabilidade das grandes empresas americanas que negociam commodities agrícolas que exercem grande pressão sobre a floresta, como carne e soja.

“Essas empresas têm uma relevância no mercado global, como Cargil e Bunge. Não adianta propor políticas de clima sem participação do setor privado. Elas também estão de olho nas novas demandas de consumidores, que não querem comprar nada ligado a desmatamento”, comenta Teixeira.

A falta da pessoa certa

O Plano de Proteção da Amazônia não se resume apenas ao Brasil, detentor de 60% do bioma.

“Muitos dos países da região entendem que a ação climática promoverá seu próprio desenvolvimento sustentável e provavelmente cooperarão com o governo Biden para aumentar a ambição climática”, afirma o documento, ressaltando, por outro lado, que o envolvimento construtivo com o Brasil é vital.

A aproximação dos outros sete países amazônicos com os Estados Unidos poderia pressionar Bolsonaro a seguir a mesma direção, acredita Mercedes Bustamante, pesquisadora da Universidade de Brasília (UnB). O problema, pontua, é a definição de quem seria o interlocutor brasileiro.

“Os dois ministros naturais para essa função, o do Meio Ambiente [Ricardo Salles] e o das Relações Exteriores [Ernesto Araújo], não têm condições internas de levar esse diálogo. Se cair para o da Economia [Paulo Guedes], pode ser que tenha mais peso dentro do governo Bolsonaro”, analisa. Como o governo Bolsonaro é composto por “negacionistas climáticos e críticos ao multilateralismo”, acrescenta Teixeira, isso é motivo de tensão.

Há preocupação sobre os canais por onde o dinheiro iria escoar. O temor vem da experiência recente com o Fundo Amazônia, paralisado desde o início do governo Bolsonaro.

As verbas, doadas principalmente por Noruega e Alemanha e destinadas a projetos que combatem o desmatamento, estão bloqueadas, já que Salles praticamente destituiu o conselho que analisava as propostas e era composto também por entidades da sociedade civil.

“O foco na Amazônia é relevante, mas um outro ponto não deveria ser esquecido: mais pressões sobre sustentabilidade na Amazônia não podem implicar pressões de desmatamento em outros biomas. É preciso coerência, principalmente do setor privado. Uma sustentabilidade que seja válida para todas as áreas”, finaliza Bustamante.

Informação – Metrópoles

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