Quando o pai da pequena Maria Helena disse que não queria assumir as responsabilidades, a assistente social Maria Carvalho, 33 anos, foi mais forte do que imaginava. “Segui os nove meses de gravidez sozinha, com ajuda apenas de amigos e familiares”, lembra. Sua situação não é incomum. Na Bahia, um em cada três pais (36,6%) disseram não ter participado do pré-natal, de acordo com a Pesquisa Nacional de Saúde (PNS) 2019 sobre Ciclos de Vida, realizada pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).
O índice atingido é o terceiro pior entre os 27 estados brasileiros e superior à média nacional de 23,3%. No caso de Maria, nem mesmo quando ela tomou uma queda no terceiro mês de gravidez e perdeu a memória por cinco dias, teve o genitor ao seu lado. “Na época, eu estava desempregada e no final do TCC. Cheguei a ter início de depressão nas primeiras semanas, pois não conseguia dormir, pensava nos gastos e em como iria cuidar sozinha da minha filha”, lembra.
Hoje, ela não só cuida da filha sozinha, como também arruma tempo para trabalhar e sustentar a casa, localizada em Nova Soure, nordeste da Bahia. “Tenho que ser mãe e pai ao mesmo tempo. Quando estou no trabalho, ela fica com a avó e a tia”, diz a jovem, que precisou ainda entrar na justiça para reconhecimento de paternidade.
Maria Carvalho e sua filha Maria Helena quando era bebê (Foto: arquivo pessoal) |
“Ele registrou e foi obrigado a pagar a pensão, o que não daria para nada se eu não trabalhasse”, confessa. Para a obstetra Laila França, professora da Rede UniFTC, há uma cultura machista que contribui com essa realidade.
“O machismo gera o entendimento de que responsabilidade da gravidez e da criação é da mulher e o pai não se sente importante nesse processo. Mas as orientações que são dadas na gravidez dizem respeito ao casal. Por isso, dizemos que o pré-natal é do casal, não apenas da mulher”, explica.
Alguns médicos são tão conscientes dessa realidade que solicitam, durante o pré-natal, que o pai também realize exames médicos, não apenas a mulher grávida. “O próprio Ministério da Saúde recomenda que sejam feitos exames nos pais, principalmente os de sorologia. Eu tenho o ato de pedir, pelo menos, uma série de exames para o pai durante todo o pré-natal. Dessa maneira, a gente avalia a saúde e até força o homem, que não costuma ir sempre ao médico, fazer seus exames de rotina”, relata Gabriel Monteiro, ginecologista, obstetra e professor da Unisa.
Mas nem todos atendem ao proposto. Em todo o Brasil, apenas 19,5% dos homens declararam ter realizado os exames que lhes foram solicitados durante a realização do pré-natal da gestação do filho. Apenas 20,2% foram incentivados a participar de palestras, rodas de conversas e/ou cursos sobre cuidados com o bebê. O IBGE não tem dados detalhados para a Bahia referente a essas questões mais específicas.
Especialistas relatam que não comparecimento dos pais é maior no sistema público
Quanto pior o rendimento familiar, menor a participação do pai no pré-natal da criança. Essa é uma constatação do IBGE em todo o Brasil. Nas famílias que recebem mais de dois salários mínimos, 90% dos pais são presentes. Já nas que têm até meio salário mínimo, apenas 60% comparecem com sua responsabilidade. Isso é observado, na prática, pelos médicos que realizam o pré-natal pelo Sistema Único de Saúde (SUS).
“A gente não vê mesmo a presença do pai, principalmente no SUS, em quem é mais pobre. E a gente sempre questiona. Na primeira consulta, as primeiras perguntas que fazemos são se a gravidez foi desejada, o nome do pai e o motivo dele não estar presente”, diz Laila França. Após a terceira indagação, as justificativas dada pela mãe costumam ser as mesmas.
“Algumas dizem que o homem é o provedor da família e não consegue participar da consulta por estar trabalhando naquele momento. Outras relatam que a gravidez não foi planejada e o pai não quer participar”, afirma. No primeiro caso se encaixa a técnica de enfermagem Ana Carla, 38 anos. Como seu marido trabalhava em horário comercial, ele nunca conseguiu participar de uma consulta da gestação do seu último filho, Bernardo.
“Se eu pudesse ter a presença dele, seria melhor, pois é algo bom para o casal, mas ele realmente não podia. Como eu já sou acostumada a fazer as coisas sozinha quando ele não quer fazer, para mim não foi um problema. Eu não tinha a opção de dizer não posso ir para a consulta. Seria importante que os pais fossem liberados do trabalho para comparecer no pré-natal e terem mais tempo para ficar em casa após o nascimento do bebê”, defende.
Ana Carla e seu filho Bernardo com roupas típicas de São João (Foto: arquivo pessoal) |
Laila explica que até é possível ser dado ao pai um atestado de comparecimento, mas, por causa do machismo, o genitor prefere não utilizá-lo, geralmente. “Ele não se afasta do trabalho, pois tem medo de ser motivo de chacota entre os colegas. Muitos também têm trabalhos informais e o atestado não adianta de nada nesses casos”, lamenta.
Segundo Abdon Brito, coordenador da Atenção Primária à Saúde de Salvador, para o pré-natal do parceiro, o homem pode ir na unidade de saúde em um horário diferente do da mãe, inclusive no sábado. “Mas o número de homens acompanhados na atenção primária ainda é baixo em comparação ao número de mulheres. Desse modo, é necessário cada vez mais estratégias de sensibilização desses homens, mudança cultural e comportamental frente a percepção masculina no cuidado em saúde”, defende.
A Secretaria da Saúde do Estado da Bahia (Sesab) afirmou que todo o período do pré-natal é de responsabilidade dos municípios. Já a UniFTC disse que disponibiliza gratuitamente pré-natal realizado por obstetra para toda a população de Salvador. Os atendimentos acontecem de segunda a sexta, das 7h às 20h, e sábados das 7h às 13h, mediamente agendamento pelo WhatsApp (71) 3281-8045. As consultas ocorrem nas clínicas localizadas no Ogunjá e na Avenida Paralela, dentro do Campus UniFTC.
Essa foi a primeira vez que participação paterna no pré-natal foi abordada na PNS
O machismo e o abandono parental são históricos na sociedade brasileira, mas essa foi apenas a primeira vez que a paternidade e participação no pré-natal foram abordadas na PNS de 2019. Os pesquisadores coletaram respostas de questionários preenchidos por homens de 15 anos ou mais. “Do ponto de vista social, tem sido defendido que os homens podem e devem ser envolvidos integralmente em tudo o que diz respeito à tomada de decisão reprodutiva, desde a escolha de ser pai à participação solidária na gestação, no parto e no cuidado e na educação das crianças”, diz um trecho da PNS.
Fernanda Deise, 25 anos, sabe bem disso. Seu noivo Rubens Alves esteve em todo o momento da gravidez da filha Ana Julia, que nasceu eu maio de 2021.
“Ele sempre foi presente desde quando descobri a gravidez e fiquei em choque por não ter sido planejada. Ele foi em todas as oito consultas do pré-natal, que fiz algumas pelo SUS e outras em particular. E era ele quem corria atrás para marcar. Foi bom, pois muitas dúvidas que a gente tinha eram tiradas naquele momento e ele pôde acompanhar de perto tudo que passei na gravidez”, lembra.
Mas, na prática, nem todas as mães têm a sorte de ter o envolvimento do parceiro. A conselheira tutelar Nayara Costa dos Santos, 26 anos, teve que entrar na justiça para conseguir a pensão. A audiência será em setembro. O rapaz também não participou do pré-natal da filha Laura Sofia. “Quando eu fiquei grávida, que dei a notícia, ele sumiu, disse que a responsabilidade não era dele e desapareceu”, lembra. No total, foram seis idas ao médico durante a gravidez sem o acompanhamento do marido.
Nayara Costa e sua filha Laura Sofia (Foto: arquivo pessoal) |
Nesse período, os custos de todo o processo tiveram que ser assumidos pela mãe, o que também é uma dificuldade. A auxiliar administrativa Jéssica Campos, 26 anos, só descobriu que estava grávida de Noah no sexto mês. “Desde então, o pai sempre foi ciente da existência do filho, mas não se fez presente nem mesmo na criação. É só eu e minha mãe”, afirma.
Jéssica conseguiu fazer com que ele pagasse pensão e registrasse, mas através de medidas judiciais. “Ele não é presente na parte afetiva. Quando estava grávida, até chamei ele para participar das consultas para criar esse laço com o filho, não por mim. Para mim ele não faz falta, pois minha família tem me ajudado sempre”, diz.
Em 2019, sete em cada 10 homens na Bahia já tinham tido filhos
Apesar dos baianos estarem entre os que menos acompanham o pré-natal da parceira, eles fazem mais filhos do que a média nacional. Segundo o IBGE, sete em cada 10 homens na Bahia (67,1% ou 3,8 milhões) já tinham tido filhos em 2019, o que representa o terceiro maior percentual do país.
A proporção de homens que tiveram filhos cresce com o aumento da idade, mas a Bahia tem também uma “taxa de paternidade” relativamente alta entre os jovens de 15 a 29 anos. Nesse grupo, em 2019, 25,7% dos homens baianos já haviam tido algum filho, o que é o quinto maior percentual do país, acima da média nacional de 19%.
Mesmo assim, a média estadual para os homens terem o primeiro filho é de 25,4 anos de idade, próximo ao estimado para o Brasil como um todo (25,8 anos) e a oitava mais alta entre os estados. No entanto, em média, os baianos não se contentam apenas com uma criança e têm 2,1 filhos, o que também é superior ao estimado para o Brasil como um todo (1,7 filho) e estava entre os mais altos do país, de acordo com as projeções do IBGE.
Em 2019, sete em cada 10 mulheres baianas de 15 a 49 anos disseram já ter ficado grávidas em algum momento da vida
Esses dados de fecundidade também são observados no universo feminino. Em 2019, sete em cada 10 mulheres baianas de 15 a 49 anos (69,0%) disseram já ter ficado grávidas em algum momento da vida. Das grávidas, uma em cada três são pretas.
Ainda assim, em 2019, na Bahia, oito de cada 10 mulheres sexualmente ativas e em idade reprodutiva faziam uso de algum método para evitar gravidez. Dessas, 36,4% tomavam a pílula anticoncepcional. Outro dado importante revelado pela pesquisa é que, entre 2016 e 2019, oito em cada 10 baianas fizeram exame de colo de útero (Papanicolau) e seis em cada 10 fizeram mamografia.
Além desses, o professor Gabriel Monteiro explica que, numa gravidez, a mulher não pode jamais deixar de fazer o pré-natal, mesmo nos casos de abandono paterno.
“Pré-natal bem feito resulta em parto tranquilo e humanizado. Pode acontecer de ter problemas, mas é muito mais difícil quando há um pré-natal com excelência. O pai tem que entender isso, pois ele também faz parte desse conjunto. Mas sem a sua presença, a mãe não pode abandonar os cuidados”, afirma.
Informações: Correios 24H