Bizarro, porém verdade: machos podem produzir leite; Sueco fez experimento para tentar produzir

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Pais modernos querem dividir todas as atividades com as mães nos cuidados com o bebê. Mas será que eles estariam dispostos a amamentar também? Se a resposta for afirmativa, existem três caminhos: o papai pode manter o recém-nascido próximo de seus mamilos por algumas semanas, escolher passar fome ou tomar uma medicação que afetaria a glândula pituitária no cérebro.

Há inúmeras descrições literárias de homens que milagrosamente conseguem amamentar, do Talmud a Tolstói – em Ana Karênina, há uma pequena anedota sobre um bebê amamentado por um inglês a bordo de um navio. As poucas evidências antropológicas indicam que, de fato, isso é possível. No tratado Anomalies and Curiosities of Medicine, de 1896, George Gould e Walter Pyle catalogaram vários exemplos de homens amamentando. Entre eles estava um sul-americano que havia se tornado ama de leite depois que sua mulher ficou doente, assim como missionários no Brasil que eram a única fonte do alimento para seus filhos porque suas esposas não tinham leite. Mais recentemente, em 2002, a agência France Presse publicou uma pequena matéria sobre um homem de 38 anos de idade no Sri Lanka que amamentou suas duas filhas depois que a mulher morreu no segundo parto.

Em seu livro de 1978, The Tender Gift: Breastfeeding, a antropóloga médica Dana Raphael afirma que os homens poderiam induzir a lactação simplesmente estimulando seus mamilos. O renomado endocrinologista Robert Greenblatt, do Medical College of Georgia, concordou. No entanto, Jack Newman, médico e especialista em amamentação em Toronto, Canadá, insiste que, para produzir leite, algum hormônio precisa entrar em ação. “Aquela citação de Tolstoi sugere que bastava o pai levar o filho ao peito para começar a produzir leite, o que é muito improvável”, explica, “Talvez esse homem tivesse um tumor pituitário, e passou a produzir leite quando o bebê começou a sugar”.,Newman explica que certas alterações envolvendo a prolactina, o hormônio necessário para produzir leite, podem resultar em lactação espontânea. A Torazina, um antipsicótico popular usado na metade do século 20, tinha impacto sobre a glândula pituitária – uma glândula endócrina do tamanho de uma ervilha localizada na base do cérebro –, causando muitas vezes uma superprodução de prolactina. Se os níveis desse hormônio permanecessem altos, poderia haver produção de leite. De acordo com Newman, a lactação também pode ser um efeito colateral da digoxina, um medicamento para o coração. Um tumor pituitário também poderia induzir a produção de leite.

Em um artigo de 1995 para a Discover, intitulado “Father\’s Milk”, o ganhador do Pulitzer e fisiologista Jared Diamond alia a estimulação dos mamilos ao dilema dos hormônios, ressaltando que essa estimulação pode liberar a prolactina. Ele nota também que passar fome – o que inibe o funcionamento de glândulas produtoras de hormônios, assim como do fígado, que os absorve – pode causar lactação espontânea, como já foi observado em sobreviventes de campos de concentração nazistas e campos de prisioneiros japoneses na Segunda Guerra Mundial. “As glândulas se recuperam muito mais rapidamente que o fígado quando a pessoa volta à alimentação normal”, ele afirma, “então os níveis hormonais disparam”.

Machos de diferentes espécies de mamíferos têm o potencial para produzir leite, mas apenas um deles, o morcego frutívoro Dayak, do sudoeste da Ásia, o faz espontaneamente. No entanto, Diamond ressalta que, agora que os pais estão ajudando a criar os filhos, o fato de homens produzirem leite poderia se tornar uma vantagem para nós, especialmente com tantas mulheres que tentam conciliar as responsabilidades em casa e no trabalho. E mais: então por que os homens deveriam ter mamilos?

“Nas meninas, alguns hormônios são liberados para fazer com que o tecido do seio se desenvolva na puberdade e que elas possam produzir leite. Os homens não secretam esses hormônios, e é por isso que não têm os seios desenvolvidos”, explica Diamond. “Na verdade, um número significativo de meninos na puberdade desenvolvem seios”, ele completa, “ou seja, o tecido está lá, mas regride”. Em poucas palavras, homens não têm seios desenvolvidos, mas podem produzir leite sob circunstâncias extremas.

O sueco Ragnar Bengtsson, um pai de 26 anos de idade, iniciou um polêmico experimento para tentar comprovar se ele, como homem, é capaz de produzir leite – e amamentar seus futuros bebês.

A experiência foi apresentada em um programa do canal privado de televisão sueco, TV 8, que estará acompanhando as tentativas de Ragnar de induzir a lactação.

“Se houver uma chance de dar certo, e se puder ser provado que o leite masculino contém os nutrientes necessários, será um salto extraordinário”, disse Ragnar Bengtsson em entrevista por telefone à BBC Brasil.

“Se um dia isso for possível, significará para mim a chance de ter uma relação muito mais próxima com o bebê em seus primeiros meses de vida”, acrescentou ele.

O experimento de Ragnar consiste em estimular os mamilos diariamente até dezembro deste ano, em intervalos de três em três horas, com uma bomba de sucção do mesmo tipo usado para a extração de leite materno.

Não se trata, porém, de um experimento científico, o que exigiria a aprovação do Comitê Sueco de Ciência.

No estúdio do programa da TV8 Adaktusson+Aschberg, na noite da quarta-feira passada, o início da experiência contou com a presença da endocrinologista Sigbritt Werner, do conceituado Instituto Karolinska da Suécia.

Em entrevista à BBC Brasil, a médica afirmou que, ao menos teoricamente, um homem poderia produzir leite para um bebê. Mas Sigbritt Werner ressaltou que um dos objetivos principais do programa da TV8 é estimular o debate sobre a importância de um contato mais próximo dos pais com seus bebês.

A endocrinologista afirmou que as glândulas mamárias dos homens podem, em certo grau, secretar leite, mas destacou que jamais foi realizada uma pesquisa científica com o objetivo de determinar a capacidade de um homem de produzir leite para amamentar bebês.

“As glândulas mamárias do organismo humano são formadas antes de o feto se tornar um menino ou uma menina. Com o desenvolvimento do organismo, a diferença é que nos homens as glândulas mamárias apresentam muito poucas células que secretam o leite. Já as mulheres desenvolvem um grande número dessas células após a puberdade. É sabido também que os homens podem desenvolver câncer de mama”, explicou a médica.

Tumor

É também um fenômeno conhecido na medicina, segundo Sigbritt, a ocorrência da lactação masculina entre pacientes que apresentam tumor de hipófise (ou glândula pituitária).

“É um fenômeno relativamente comum, embora não ocorra em todos os casos. Pacientes com este tipo de tumor podem apresentar um hormônio chamado prolactina, que estimula a lactação. Geralmente os pacientes produzem apenas uma pequena secreção leitosa, embora alguns casos possam ser um pouco mais incômodos. De todas as maneiras, sabemos que as glândulas mamárias dos homens podem produzir leite”, disse ela.

Sigbritt Werner afirma ainda que os homens podem induzir a lactação simplesmente estimulando seus mamilos.

“Quando um homem estimula seus mamilos, ele pode aumentar a produção do hormônio prolactina em pequenas doses. Mas, de novo, nenhuma pesquisa médica foi realizada para examinar cientificamente essa questão”.

Em 2002, agências de notícias mencionaram o caso de um homem de 38 anos no Sri Lanka, que teria amamentado sua filha menor depois de a mulher ter morrido durante o segundo parto. Mas o caso não foi cientificamente estudado, observou Sigbritt.

Também em teoria, segundo a endocrinologista do Instituto Karolinska, um homem saudável poderia talvez produzir leite para amamentar um bebê, através de um longo processo envolvendo injeções diárias de hormônios e estímulo mecânico dos mamilos.

“Seria provavelmente necessário uma grande dose de prolactina diariamente, ou várias injeções do hormônio durante o dia, para aumentar no homem o número das células responsáveis pela lactação. E seria necessário fazer isto durante muitos meses, em conjunção com o estímulo dos mamilos através das bombinhas de sucção de leite. O tratamento poderia combinar ainda doses do hormônio estrogênio”, indicou Sigbritt Werner.

“Isto nunca foi tentado cientificamente, então não se pode afirmar com certeza se um homem que se submeta a este tipo de tratamento seria capaz de produzir leite em quantidade suficiente para amamentar um bebê. Mas teoricamente, seria possível”, acrescentou.

Críticas

Pai de um menino de três anos de idade, Ragnar Bengtsson conta que leu pela primeira vez sobre relatos de lactação masculina na época do nascimento do filho.

“Pensei na época que gostaria de ser capaz de amamentar meu filho, mas não parecia claro se essa possibilidade era real. Quando surgiu a oportunidade de testar as possibilidades no programa da TV8, decidi aceitar o desafio”, disse ele à BBC Brasil.

Algumas pessoas têm manifestado apoio ao seu experimento – mas a grande maioria, segundo ele, está incomodada:

“Muitos têm me chamado de anormal, doente, e me acusam de estar fazendo algo contrário à natureza humana, ou de estar promovendo uma guerra de sexos. Mas para mim, essa experiência é tão normal quanto a tentativa de um atleta de quebrar um recorde nas Olimpíadas”, comparou Ragnar.

No website do programa, há tanto comentários favoráveis como contrários à experiência de Ragnar. Em um deles, Ragnar é acusado de ter “passado dos limites”.

“O mais importante é que tenho o apoio total da minha mulher, que acha a experiência no mínimo divertida”, acrescentou.

Ragnar começou a usar a bombinha de sucção para estimular os mamilos há poucos dias, num experimento que vai durar até dezembro próximo.

“Vou ter que usar a bombinha de sucção durante as aulas na Universidade de Estocolmo, onde estudo Economia. E não estou preocupado com o que os outros vão pensar”, ressaltou Ragnar, acrescentando que não pretende fazer uso de hormônios para induzir o processo de lactação.

“Se acredito que pode dar certo? Não sei. Quanto mais leio sobre o assunto, mais perguntas tenho”, admite ele.

Na opinião da endocrinologista Sigbritt Werner, que estará acompanhando o caso à distância, Ragnar poderá perceber algum resultado nos próximos quatro meses.

“Talvez ele veja uma gota de leite no Natal”, disse a médica à BBC Brasil.

Ela destaca, contudo, que, mais importante do que tentar fazer um homem amamentar um bebê, é tentar criar uma relação mais próxima entre pai e filho.

“É preciso mostrar aos homens a importância do contato físico e da maior proximidade do pai com seu bebê. Por que dar ao bebê uma chupeta quando ele chora e procura conforto, em vez de trazer a criança para junto do peito do pai? Se conseguirmos conscientizar os pais de forma a aumentar esta ligação de proximidade entre pai e filho, será uma vitória fantástica”, destacou a médica.

Para Ragnar Bengtsson, sua experiência poderá também ajudar a mudar a percepção das pessoas sobre os papéis normalmente reservados ao homem e à mulher.

“Se os homens fossem capazes de amamentar, poderiam ficar mais em casa com o bebê, ou dividir essa tarefa com a mulher”, exemplifica. No website da emissora, Bengtsson mantém um blog da experiência, com o título “Mjölkmannen – en droppe i taget” (“O leiteiro – gota a gota”, em tradução livre).

Informações: BBC

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