Deus te ama, mas não é burro

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Não confies em tudo o que lês. Cega as asneiras, pois, elas são várias. Amar varia; odiar, idem. Resta atento, pois, os ineptos bradam com uma confiança acima da média. Não confies em pessoas que nunca dançam. Elas podem te fazer dançar, no pior sentido. Sufoca os gemidos. Dança. Rebola. Chacoalha o quadril como se ele fosse de mola.

Não confies em pessoas que criam passarinhos em gaiolas. Não olvides a tua melhor má fase, a tua pior boa ideia. Vibra. Pulsa. Pula o muro. Abre as cancelas. Solta os bichinhos. Salta da Pedra da Gávea de olhos bem fechadinhos. Então, voa na maionese sobre a cidade do Rio de Janeiro. Ah… Agora sei como se sentem os caralhos-de-asas. Não confies em pessoas que nunca xingam. É primavera, meu irmão. Vera te espera com muito viço nos olhos e a calcinha rendada nas mãos. O amor vai render. Gametas nadam esperançosos pelo mar da baía. Sorria, tu não estás na Bahia, “pero estás enamorado, bagron”. Faz na tua cama king size um amor sem tamanho. Não confies, não percas tempo com pessoas que nunca se apaixonam. Elas se acham. Tem fé no affair. Então, te encaixa. Sê direto, o primeiro a alcançar a vastidão de um beijo.

Se beber, não dirijas a vida de quem quer que seja. Fica na tua. Não confies em pessoas que sempre acertam de primeira. Pela enésima vez: tenta. Tanto faz. Faz tu. Não confies em pessoas que berram nos templos como se Deus fosse surdo. Deus te ama, mas, não é burro. Basta sussurrar nos tímpanos do arquiteto do Éden: “Me tira dessa, ó pai”. Vai ter uma orquestra de filhos-da-puta tocando pífanos aqui na Terra quando eu entrar no céu da tua boca. Profana à vontade, mas, ama. Mais que tudo, ama.

Não confies em pessoas que nunca se enganam. Tanto equilíbrio assim me deixa revoltado, ensandece. Se o dinheiro desse, eu compraria uma bicicleta ou me casaria com a Anacleta. Perco um grande amor, mas, não perco a rima. Há uma briga cotidiana, uma esgrima entre neurônios. Pobre de mim, que penso tanto até mudar de ideia. Devia seguir mais os meus impulsos. Testículos, avançai!

Rumo ao novo, permite a ti próprio descarrilar. Sacode a poeira da calça. Segura o caixão pela alça e vamos juntos enterrar os sonhos que já pereceram. Brindemos, pois eles fizeram história em nossos corações aflitos. A sublimação é um mito. Todos se enfraquecem, a ponto de sonhar um dia. Não confies em pessoas que pararam de fazer planos para o futuro. Elas parecem elegantes, enlevadas, experientes, razoáveis. Contudo, nada de novo há, existe um excesso de zumbis a orquestrar planos de contingência incríveis. A isso eu chamo demência.

Não confies em pessoas que levam o mundo tão a sério. Eu, por exemplo, não sirvo mais como um exemplo de integridade, pois, sarei de um recente surto. Não me furto a admitir: foi apenas um susto. “Ciscos no cérebro, gracias, adeus”, arrematava em letras garrafais o laudo diagnóstico. É pena que eu seja um agnóstico. Deus, provavelmente, durante uma de suas faxinas horrendas, olharia para a minha velha carcaça aquilina e diria “até que este filho-da-puta me saiu melhor que a encomenda”.

Reprodução | Revista Bula

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